O menino e o mundo todo


Pedro Moreira Nt


 As últimas estrelas acendiam e apagavam como se fossem aviões seguindo para o infinito. O ar balançava e fazia-se todo de brisa suave. A praia quieta.   Mesmo as ondas pareciam descansadas quando bem cedo, muito mesmo que parecia noite. 
- As ondas só acordam depois. 
O menino na areia, a lua e um rosa cálido tocava o seu rosto, enchia os seus olhos. Aquela cor surgia no muro absurdo do horizonte.
 Esperava o sol dar o seu grito de despertar. 
- O sol boceja, ergue os braços, mexe-se na cama. Está na sua cama, no seu quarto, em sua casa depois do horizonte.
A maré acompanhava o movimento e, mais e mais o oceano era riscado com aquela luz. E mais e mais, de algum lugar, as correntes traziam a água jogando aqui e ali, nas pedras uma torrente quente de espumas.
- Acho que é tanto esforço que faz o sol para nascer que toda água do mar é um lençol que ele também levanta.
A lua era a mãe que o ajudava a tirar as cobertas, era a amiga, também o sonho que vivia, e podia ser um coração amigo, às vezes seria a sua namorada, e, muitas vezes alguém que se amava e desaparecia.
- O meu pai desaparece como a lua quando vai trabalhar. A minha mãe também depois que levanta a coberta devagarinho e dá aquele riso. Eu sei que ela faz assim porque está dizendo bom dia. Diz sem dizer, como agora, na praia o silencio tem o cheiro de pasta de dente e café. 
Ele imaginava que o hálito do sol e da lua traziam o vento quente, e sem dizer palavras, queria dizer pode acordar agora.
  Feitas de vento, de restingas verdejantes de dunas que eram gigantescas baleias que nadavam na praia. Podiam ser que elas que mexiam as ondas. Também havia aquelas águas gelatinosas de dourado de rio. Maior que tudo, aquelas ondas derretiam o mar com espumas. A baía andava sonolenta, mas mexia os pés e as mãos. Onde morava havia aquelas águas gelatinosas de dourado de rio escuro e perfumado. 
 Era o mundo todo que despertaba. 
- Depois que as baleias  livram-se das dunas que é o seu cobertor, entram no mar.
Ele brincava em imaginar. Subia no arame do horizonte e equilibrava-se a caminhar  no grande circo da vida.
O menino e o sol de tantas horas à beira mar.
- O sol pulou o muro do horizonte. Também sei fazer isso.
Saia correndo, pulava todas as baleias de dunas, manchava os pés de dourado de rio, saltava das pedras lisas e dava um impulso imenso quando tocava as espumas e empurrava as cristas das ondas e chegava naquela muralha imensa que era o horizonte e via o outro lado do universo, onde o sol vivia com a sua família iluminada.
- Com certeza, quando é noite o sol está perto do mar também.
Acompanhava voz  luminosa do sol rosado e preguiçoso das manhãs descansadas. 
 - O que será que pode existir lá ondee o sol vive? Se eu subir até aquela montanha verei o que há depois daquele muro.
 Quando cresceu e teve que deixar a praia para estudar em uma cidade grande. Claro que escolheu aquela que ficava na montanha. 
Parecia que, mesmo adulto, desejava ver o outro lado do mundo.
No elevador, naquele edifício que trabalhava, foi bem cedo com sua amiga Luna.
- Que nome diferente.
- Quer dizer lua.
Ele estremeceu em imaginar tudo que imaginou quando criança quando via nas manhãs a lua a erguer a coberta que é o mar e despertar o sol.
- Aposto que gosta de ver o sol despertar na praia.
Ela sorriu com aquele jeito de quem está no alto do edifício. Aquele riso quieto, feito de lua.
Não precisava responder, dizer palavra, o silêncio, e ele sabia bem o que significava.
- Sabe, disse a Luna, depois daquele traço que a gente vê distante.
- Do horizonte?
- O sol é uma criança que ouve o silencio e desperta com a lua.
Demorou muito, mas um dia ele ficou rosado como o sol das manhãs e despertou com a lua que vivia em sua casa além das montanhas, em sua casa que era o mundo todo à beira mar.

(Para Christian)



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