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Embalagem

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Embalagem             Pedro Moreira Nt Ela chegou com o seu jocoso jeito de perguntar: o que estás a inventar? Respondi-lha: augures amiga. Ninguém responde isso, mas faz de conta. Eram olhos oleosos, densos e suspensos de interesse. Olhava algo, e também olhava os lados. Uma cinestesia estudada. Sentia na pele. Nada podia falhar. Aqueles olhos, eram aqueles olhos. Meio, a dizer, estou aqui por acaso. Súplica e condescendência. Alegria e um certo desnorteamento.  Entra. Eu a via mais vezes no elevador. Às vezes a gente se estudava. Baixa a cabeça e seguia ao fim do poço. O térreo. Um encanto.  E fique à vontade, senta aí. Mãos enroladas naquele casaquinho. Dei atenção a essa estranha entrada encabulada. À mesa eu me remexia no que anotava. Fazia isso para disfarçar aquela dor na garganta que subia. Escrevia enquanto conversávamos. E a vida? Disse-me sem despregar-me os olhos dos olhos e aos meus dedos tortos. E não havia como: Vai sem interesses. Na verdade, todos os inte

Orquestra do bairro

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Orquestra do bairro Pedro Moreira Nt Será que irritarei o jardineiro? Estava pedindo ajuda. Somente isso. S e colocar a um tom abaixo a cortadeira de grama... Pode ser que fique bom em um dueto. Não sei. E se prender um guizo na hélice, tocará com mais evidência. Falta acompanhamento. Ficaria bom se a máquina de lavar estivesse batendo. Ligarei a ventoinha da garagem. E se o carro estiver a quatro tempos? O efeito do liquidificador só vai bem com sucos. Posso bater claras na batedeira. Vai ser dispendioso. Como o avisarei que é o momento? Bem, ainda é o primeiro ensaio. Será que virá a semana que vem. Espero que use o soprador de folhas. Posso conseguir um transformador para aumentar e diminuir o ritmo. Mas a questão é o tempo musical. Será que estou ficando louco? Ninguém discute sobre isso. Terei que conversar com o vizinho. Ele é um tipo meio corpulento, tem uma voz doce de taquara rachada. Levo tampões de ouvido. Leio a boca, o gesto bucal. Uso máscara de médico. Será chato?

Poesias

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Estava tão linda que me ardia os olhos Antes que me derrubassem estatelei as mãos à parede para ser desarmado mostrar os documentos dizer que ainda me possuía e podia sobreviver a esse direito o chão dos muros Engatinhei até a farmácia trombei nos sons de ofertas na música estonteante que metralhava contra revolução de meus sentimentos os mais rasos que os passos suportavam no cadafalso no balcão ainda no escuro das órbitas pedi ao astronauta que me salvasse do vácuo e ele atirou contra mim acertando colírios O mundo retornou voltei à cancela ergui os braços como me pediram atravessei a fronteira e a atingi com tudo que podia ser Fiquei no gueto sem saída onde os detidos se avolumam escapei por baixo dos arames farpados e me arrastei ao campo de guerra e te alcancei ferida de minhas últimas palavras Estanquei o sangue de todas as paixões gritei o seu no