A coisa feliz da vida

A coisa feliz da vida
Pedro Moreira Nt
Amava meus irmãos, mas o amor deles não ia além do carro novo, a mangueira de água banhada de prata, os pneus rebaixados com frisos importados um a um. O óculos que ganhou de um patrão amistoso que custaria os olhos da cara, eram o abraço vertical da nova camisa de casimira, um caminhar alegre com os sapatos de cromo legítimos, alemães, a afável alegria em dentes mandado clarear na mais famosa clarearia de dentes, sorriso de peixe. O cumprimento com as mãos firmes de um novo relógio e pulseirinhas de ouro com patinhas.
Um deles tivera que eu sei, vida feliz numa casa ampla com pinturas renovadas, com pequeno jardim enfeitado onde amavelmente se discutia quanto ganhariam. Os quantos trabalhariam e produziriam para poderem enfim, sentarem-se para assistir o novo modismo da TV de 257".
Se não houver trabalho, o sujeito não presta. 
Se ficar em casa é vagabundo. 
Se abrir um livro é preguiçoso. 
Se não tiver dinheiro é um sujeito desprezível. Amor era uma realização sexual que resultava numa quantidade mais ou menos definida de movimentos, acompanhada por objetos em talas fetichizadas. Eram as coisas. A coiraçada. Elas que ampliariam o prazer já sabido e esperado. A meta.
Consegui. Não foi como planejei.
A lógica de que os filhos atenderiam ao pai e à mãe se pudessem ganhar alguma coisa com isso, uma moeda a mais no cofrinho, um bibelô, uma camisa importada, um chinelo que não raspasse a consideração.
Estava em casa naquele dia com meu carro novo, de fato quase novo, mas era um tipo de coisa que realmente me oportunizou boas viagens, eles haviam chegado repentinamente, e quando fui atender ao portão a família disse: uau! Pensei que estivesse em forma.
Eu não existia. Era o carro.
- Que carro!
O que estava na meia garagem. Aquelas quatro patas de pneu esperava a visita. 
Não sabia se os beijava, dizendo alguma coisa: que bom que estão todos aqui ou se chamava meu carro para conversar com a família.
A educação pela coisa não anula a pessoa, ela se torna a coisa secundária da coisa.
Uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa. Mas questão é que o bem da coisa é apenas o trampolim a mostrar o bem do sujeito. 
Pessoa de bem; pessoas de bens.
Não se alcança o humano pela humanidade, Tem que haver algo, um ganho. Necessita-se de uma presença científica, limpa, higienizada, evolucionada, que cumpra as ordens do sucesso do momento, que tenha uma relação direta com a posse, a propriedade privada.
E o eu estatelado no meio do asfalto não sobrevive sem competências e qualificações, sem os adjetivos da ideologia capitalista em se ter mais para mais se ter, e, em ser algo, uma outra coisa.
Tomaram café comigo, riram das minhas piadas (sem cachê) e se foram. 
Não sabia mais se os abandonava ou se me despedia do carro que possuíam.
- Tchau carro, roupas, sorrisos branqueados de peixe, relógios, pulseiras, bebidas, passeios programados! Tchau sucesso, qualidade de vida, competências, emprego bom, dinheiro, resultado, evolucionismo, positivismo, cientificismo, determinações para a ordem e amor para o progresso, tchauzinho!
E acenavam. Acenaram para a marca do carro, para o café e para o portão - pobre portão, abriu para eles, abriu por vontade própria.
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Pedro Moreira Nt













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