Foi comida

Foi comida






                                                                    Pedro Moreira Nt

Nessa marmita, o gosto mais profundo da beleza, que não é minha nem tua, mas nos pertence. Tem aí as palavras famintas que necessitam de tempero, de amores. E para isso, chega de interpretação, de subjuntivos, essas coisas. Esse tipo de comida humana é uma vingança contra a ordem, como se fosse possível seguir um sumário. Sinceramente tem-se duas opções antes de enfiar a colher na lata. – senão é plástico. Ou come-se frio a contrariedade ou se esquenta.
Na desforra contra o óbvio a comida é servida ao natural, sem calor algum. Mas não podemos esquecer que também se aquece, um laboratório. Fogo, e a coisa. Daí é um outro tipo de vencimento. Parece salário, emprego e produtividade. Vingar também quer dizer pegar, fazer nascer do mau o bom, do bem o mal para ser mais lógico. O bom não é o cara que faz o bem. Há muitos deputados extremamente bons. Bondade para a família e produzem maldade que é contra o resto, os de fora. Então, antes de papar essa mistura – senão homogenia, escondida, feita do simbolismo arrastado que aqui mesmo mostro, em pedaços -, vai ver que é necessário uma ética de escolha. Ou esquenta para o ser bom ou deixa fria para o seu próprio bem. Mas nunca se pode esquecer que, entre uma e outra sempre terá de ser ou bom ou mau.

Será sempre bom ao comer fria e mau a esquentar essa frieza na temperatura de seu gosto. De bom, em aceitar a comida tal qual, e mau em ser cínico, buscar remexer, achar desculpas, tentar, o que é pior, entender, fazer compreensão.

Essa boia em ser fria exige a aguada que faz flutuar o que vem do fundo, e em ser quentinha já está tudo conjugado, adensado, definido.

Por outro lado, para que não fique apenas na fome e tenha que decidir de vez, fica bem, fica mal, seja do bom e do mau apenas aquele que segue o caminho, entenda os índices, receba os sinais dos recipientes de marmita e colher – que prato e garfo não cabem aqui. Vou explicar o porque deste porquê. Por que afinal, e ao começo, e, por ser assim mesmo já é comida. Não há como fugir do que antecipadamente, isto é, antes de tudo que a palavra tente ser estranha: já foi, já era, se deu anteriormente. Foi comida, comeu-se. Comida é isso, não é para ser. Bom, se não há outra situação possível desse particípio passado e engomado, entende-se que o trabalho teu foi realizado, está exausto disso tudo, acabou, não se aguenta mais. E que trouxe da casa de sua língua essa linguagem, esse modo de que já sabe, que já viu, que a invenção da história já cumpriu, que estão nessa marmita a pretensão trágica de que se preserve originalmente à sua feitura está nela desejado. Mas o tempo de seu cultivar, de seu mexer daqui pra lá, de tanta labuta faz acontecer que, na hora de vir a se alimentar ela não é mais a mesma em sua origem, os sentidos e significados desse alimento está no passado remoto, desde a colheita até o fogão e até a insensatez de querer que se mantenha do jeito que sempre fora: preparada, determinada em si mesma, carregada de seus valores, daquela cultura em uma maneira própria de realizar, de uma arte, de gastronomia conhecida.
A marmita é como um museu fragilizado. Armazena o passado e oferece ao público a sua reminiscência em um cozido, aquecido em uma nova forma, na exposição daquela que não está mais presente no universo dos saberes, de uma escola de conhecimentos, de técnicas, de materiais, e de etecetera que empurram goela abaixo o artista.

Por isso comida e a certeza do possível de que há de comer. Em comida está a pretensão de que, não que alimenta, enche. Comida é o pretérito, por isso, tanto no museu que apresenta o que fora no tempo dado, nessa marmita diz ser que não há saída e se vai comer. Isso é cinismo. Para não ser mais tedioso do que o pretendido, digo que, um pouco mais se vai chegar ou não ao seu objetivo já antes mostrado de servido, não que provenha o corpo e espírito, porque pode-se vomitar tudo. No entanto come-se. E é o que fica da reação. E que, por essa situação se realiza, de um lado, antecipado no cínico, e de outra forma, irônica, não aceita.
Ao pôr para fora, em não deglutir entende-se:
  1. a)  A coisa é ruim e ela é muito o que foi do bem em si mesma ao mal que foi
    sua posição;
  2. b)  A coisa é boa, mas o estômago não aceita o modo, o tempero, por isso o
    bom em ser, lhe fez mau;
  3. c)  O alimento frio ou quente é sempre o que é, e o vômito não tem nada a ver
    com escolha alguma, a pessoa está alienada e não entende coisa alguma;
  4. d)  Forçou o vômito: o cinismo contra o cinismo é uma ironia ao domínio da
    linguagem;
  5. e)  Não se come o passado como passado, ele está no presente de sua
    memória – a comida não lhe cabe no buxo cheio de ar, vazio em sua
    completa nulidade;
  6. f)  Não conseguiu vingar – não sobreviverá essa poética àqueles que não
    foram humanizados, de forma que a ética vai até a ordem, e não havendo sustentação dessa pretendida razão de ser, dessa evidência, na falta da relação e interação, morta a crítica, vomita-se nada com nada pra o nada em nada ser;
  7. g)  É um modo crítico de que a comida, tal exigência, posta dentro se vai para fora por que é insuportável. Meleca de palavras a produzir :

g.1) Incerteza, dúvida;

g2) Não se consigna, não se constrói ponto de apoio a uma alavanca que não conhece-se medida, não há pergunta que eleve;

g3) Você é estrangeiro desse lugar-palavra;
h) A raiva produz o vômito. Sabe-se que o galo cantou, mas não se sabe onde. Aonde vai então o pensar? Para fora.

Independente do que se dê, comer o passado, ela se apresenta à sua frente como uma lei indefectível, infensa. Se não comer, foi comido. Se comer pode não digerir bem e causar problemas intestinais, arrestar as bactérias e a sujidade de sua língua, e de linguagem que usa, e que presentifica de outra fo

rma ao se expressar. E é o que faz ser agora o que já foi. A própria marmita, ou mais ainda, a marmita que lhe come, antes, antecipando suas escolhas, essa é a norma, o que é no que se apresenta comido, - você, a comida. 





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