O seu desconhecido preferido



O seu desconhecido preferido


                                                                                                                                   Pedro Moreira Nt




Ficar só é talvez a melhor coisa que pode acontecer para quem está sempre povoado de mundo. Vou explicar: se você lê, estuda, trabalha, faz curso disso e daquilo, sobe e desce, anda pela cidade sem parar fugindo do ônibus e pegando ônibus, ouvindo notícias, músicas, vendo TV, entrando no computador, conversando tantos assuntos, pode-se dizer que se está amarrotado de tanta gente na cabeça.
Veja que essa quantidade de gente do cotidiano da vida toma tempo, engole o espaço, empurra. Puxa-se pra lá e pra cá - que se pensa cheio. Em verdade vazio, porque nada ancorou no fundo da alma. O dia ficou uma passagem feito um elevador carregado que começa cedo e vai até a noite para recomeçar. Dentro da pessoa parece haver um burburinho infinito, aquela falação com sons variados e imagens que não se fixam, a isto pode-se dizer que é o cansaço da tal cotidianidade. Das coisas mesmas em suas mesmices, e não há quem tire de dentro esse eco do mundo que fica rebatendo internamente num sem fim impossível de fazer parar.
O que fazer: procurar um médico contra a urbanidade, buscar um especialista em multidões, alguém que entenda de barulhos ensurdecedores constantes, que possa retirar aquele som de comercial que não sai, um doutor que trabalhe com algum silenciador do tempo, engenheiro de espaço lotado, psicólogo de divã móvel que possa carregar o paciente enquanto faz suas compras no shopping, um limitador automático de fotos extremamente trabalhadas que cansam a alma, finalizador de música chata, de campainha de supermercado.
Pode-se pensar o seguinte: que todo um emaranhado de acontecimentos causa nos sujeitos uma sensação de quantidade de mundo tão grande que, ao invés de se sentir acompanhado, torna-se solitário. E isso obriga a se ficar mais ansioso, de ligar os aparelhos todos de casa quando se chega do trabalho com aquela compra, com o barulho ainda vivo do mercado com o saco plástico que grita.
A única maneira em se superar o óbvio, as coisas diárias, é se ocupar delas. Escreva uma carta para si mesmo, mande flores para o seu desconhecido preferido, no teatro assista àquela peça que não entende; algum tempo no lugar menos usado da casa, as ondas curtas do rádio ligado em algo, numa língua não conhecida; da locadora um filme de um lugar jamais imaginado; na biblioteca do bairro um livro aberto de filosofia, histórias infantis de um país distante; narra-se histórias  inventadas, muda-se o modo de vestir; e no telefone, amigos de infância, sem sair do lugar comum.  O que aparece é apenas caminho, não é fim, o que surge se estabelece como veículo. A solitude é um privilégio dos que sabem ficar a sós.

O pedaço tem a sua totalidade intrínseca, mas como pedaço é a totalidade na parte. O pedaço, portanto, que é a parte da totalidade se faz como um caminho e não um fim, é um veículo que se leva a uma totalidade mas não a sua totalidade representada.
A metáfora é o caminho da palavra, mas não a palavra e mesmo em si é apenas um conjunto significativo que nos leva a uma representação possível, lingüístico da coisa.

A coisa é uma deformação na palavra, a forma que tem a coisa não é ela mesma senão um sintaxe do que seja a coisa em sua totalidade.
O trabalho é a metáfora da vida, também é a sintaxe que a representa, a vida é inicío e final do trabaho, a atividade laboral do sujeito é a sua própria existência. Os que não trabalham numa sociedade de trabalhadores se encaminham para o trabalho, estão no dissenso, a meio caminho. A vida é a sua totalidade, e o trabalho o veículo que lhe da significação. Um trabalho sentido é singular, perceptivo não no ato, nem no depois, mas no embate de outras razões suplementares, na prática social , na vida.
Não há vida sem o embate das contradições, sem a manipulação dos alimentos, sem a relação com a sociedade. O sujeito que não conhece o trabalho não vive embates e nem se relaciona, mas trabalha. O seu trabalho é a atividade.
O sujeito ativo vive um mundo carismático, marcado por privilégios, estabelecido numa estrutura de causas e efeitos delineados dentro de uma organização limitada, numa classe que se evade da existência em se negar o embate social.



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