O passeio de Lalá quando encontrou a si mesma

O passeio de Lalá quando encontrou a si mesma
Pedro Moreira





Depois de tanto tempo,  feito de riqueza econômica recebeu um telefonema de alguém longínquo, de muito longe de sua infância.
-       Laura?
-       Quem é?
-       Sou eu, a Nice.
-       Mas como sabia que esse telefone era meu? Tenho outro nome!
-       Lalá, pare, não vem que não tem. A prima é sua vizinha aí onde mora.
-       Prima, quê prima?
-       Aline.
-       Aline é sua prima?
-       É.
-       E como ela me reconheceu?
-       Você foi no supermercado.
-       Todo mundo que eu conheça aqui vai.
-       Deixa eu falar.
-       Fale.
-       Você foi no supermercado e quando desceu do carro com os pacotes deixou cair tudo no chão.
-       E o que isso tem a ver? Tem tudo a ver.
-       Tá, e como ela chegou à conclusão de que não sou quem sou aqui?
-       Ué, você falou aquele nome, acho que é o nome dele.
-       De quem?
-       A Aline disse que você disse assim: “É a casa do veno”.
-       Eu disse isso?
-       Disse. Todo mundo sabe que só você mesmo que não consegue dizer direito as palavras. Acho que é isso.
-       O quê
-       Entendi que erra que nem eu.
-       Errei?
-       Errou, não sabe falar o nome do santo inteiro e fala pela metade.
-       Que santo?
-       São Venedito. Aqui, ninguém fala do jeito que se fala por aí.
Deu aquele silêncio.
-       Lalá?
-       Nossa, eu não eu, esse eu que pensei que fosse, eu sou eu mesma, do jeito que fosse mesmo aquele eu que sou, penso que não seria eu ou o que fosse, mas eu sou, sou o que sou e não interessa se fosse.
-       Nossa, você tá falando muito diferente, a gente precisa conversar.
-       Nica, vamos se encontrar. Eu quero é falar com a Aline agora.
-       Mas Lalá.
-       Depois eu telefono.
-       Lalá, é o seguinte...
-       O preço da égua é cento e vinte
-       Eita, menina.
-       Não se preocupe que eu tenho o seu telefone.
-       Eu estou aqui, na casa da Aline.
-       O quê?
-       É isso mesmo.
-       Mas é o veno mesmo.
-       Vento, me bem.
-       Veno, eu disse.
-       Venedito?
-       Não, de vê.
-       Estou veno que você é você mesmo, meu Santo Venedito!


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