Filha e Pais

Filha e Pais

Pedro Moreira Nt


"Fathers and Daughters" - ("Pais e Filhas").
Elenco: Aaron Paul, Amanda Seyfried, Jane Fonda, Quvenzhané Wallis, Russell Crowe.
Direção: Gabriele Muccino.
Produção: USA/Itália, 2015.
Duração:116 Min.

Acho que devia se chamar assim esse filme.
Uma questão ideológica perpassa o filme Pais e Filhas: a incapacidade masculina de pai. A visão de pai está defeituosa, crises psicóticas, angústia, medo, raiva frente à filha que lhe dá tudo, inclusive a razão de sobreviver com a escrita do livro. Ela representa, de outro modo a  força do Estado. Um estado de ânimo transferido ou identificado com o capital no sentido do machismo como repositório da liberdade. Sexo, amor, atividades quais sejam são objetos de valor, mercadorias, coisas de utilidade e funcionalidade definidas em um hedonismo que se realiza no uso. O corpus machista, mente, pensamento e corpo como estrutura suficiente.

O filme mostra que a formação da mulher não pode vir do macho como identidade. Necessita ser purgada essa desvalia, assim, a fêmea, a filha frustrada por não vir de uma ordem familiar clássica da mãe, na fase adulta torna-se uma psicóloga no sentido de assistencialismo, um trabalho que tenta equilibrar perdas, de emponderar  crianças problemáticas, aquelas semelhantes a ela que sofreram algum tipo de trauma. A dizer que pessoas assim deviam viver com famílias estáveis, afinal, correm o risco de tornarem-se tal ela mesma. Não havendo esse "paraíso" familiar, não havendo projeção reprodutiva da sociedade, a liberdade de escolhas, de haver no singular a resposta inclusiva da sociedade, esse tal prazer buscado, de efêmero, uma vingança sobre si mesma, sobre sua condição de vida é dialogada com a criança que ela dá assistência e com um herói - masculino, claro -, que suporta todas as "caídas"e recaídas manifestas a ser um "porto seguro" em que, com bravura e resiliência, chamando-lhe a atenção moral a levará, pouco a pouco ao reconhecimento de que a família tradicional - papai, mamãe e filhinhos - são continuamente a verdade do bem, da fortuna social, do valor cultural, da aceitação por essa bela submissão para se tornar, realmente uma mulher, e mãe. De enfim, constituir os laços necessários que permitem que possa realizar um plano, um projeto de vida, e, por isso, recepcionada ao ser valorosamente inserida à boa e familiar comunidade, e possa realizar seus objetivos, suas metas para viver, agora sim, com verdadeira liberdade.  

Assim a filha que cresce e vive a história que entrelaça futuro/presente defende, atua, e se determina profissionalmente à favor desse Estado que diz: ser famoso não é suficiente, ser bom não serve, fazer o que quiser é um direito, mas o dever está acima de tudo, e ele diz: realize algo, faça algo, siga a norma, defenda a lei, cumpra as obrigações morais, porém, concorra, entre na competição, tenha competências, produza.
Não é então a ordem que faz o filme, mas o Estado, ele todo refletido em cada personagem, no vazio das intenções de um pai, que para ser tal qual é necessita ser doente. O Estado diz: pode namorar, aprontar, fazer quanto queira, a culpa é de um pai moralista e machista, renegado. O 

Estado insiste: vingue-se do mal, atenda às coisas que necessitam de polimento e limpeza, ajude aqueles que não entendem o lugar por onde caminham a terem a sua própria luz para seguir. O Estado continua: veja como já passou do limite, vai ser punida por não se determinar. O Estado o verdadeiro pai - parecido com todas as mães: A lei está acima de todos nós, ela veio de longe, das montanhas, foi escrita para que possa ser uma pessoa boa e sã, não conseguirá isso sozinha, necessita de alguém, e seja quem for, ele não necessita saber do que você faz por si mesma a hora que bem entender, o que ele necessita saber realmente é que é alguém, que faz por si mesma, que trabalha dignamente, e cumpre o dever de produzir, que é útil e serve para alguma coisa, que consegue no seu esforço humano devolver essa bondade da mãe e pai Estado, eles querem o seu  bem, e se mostre exemplo de quem cumpre o dever, de quem vive a vida feliz sob o seu manto legal, e seja como for até enloquecida, porém uma cidadã, aquela mulher valorosa que trabalha, e amorosa, por reconhecer o valor do Estado e sua função de controle social entre ricos e pobres, paga impostos.

O machismo não presta, mesmo o invertido, a pobreza é uma merda, a falta de responsabilidade com a ordem social é um crime. O sofrimento de Jó é maior e sem saída, ele deve ser pendurado de ponta cabeça. O amor é algo útil, serve para que obtenha a ascenção social, tratar bem os desvalidos é um modo de identificação arbitrária, uma punição consciente para conseguir o bem, a liberdade que é a ordem social oferece para que consiga tornar-se no futuro não longe um aristocrata, alguém que faz com as próprias mãos a terra, a família e a propriedade privada protegida contra qualquer estrangeiro, qualquer estranheza que coloque em risco esse bem.
Em busca de ser uma pessoa de bens, o Estado oferece os meios para que realize o financiamento de sua existência ao cumprir a contrapartida de reproduzir, de produzir e cumprir o dever para que enfim, com a ordem social mantida possa ser feliz.

Caso contrário, você sabe.


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