A morte do ator
A morte do ator
Janilson você está errado.
Não estou.
O menino podia melhorar, sei lá.
Melhorar.
Sim, melhorar.
Ele estava doente?
Não é isso. É a vida dele, ninguém tem
direito.
E ele tem direito de entrar aqui, nesse
lugar com aquela voz ruim, emoção grudada na garganta, sem pés nem mãos,
dançando um passo para lá e para cá buscando o chão, enfiando a porra da mão
sabe lá onde.
Engraçado você, parece que nunca começou
nada.
Não mesmo, não sou ator. Se fosse não
participaria de uma companhia de improvisação como garantia segura de pleno
analfabetismo.
Você está defendendo o autor.
Confunde. O ator é o autor encontrado.
Autor não é quem autor-iza. A obra de teatro é um arcabouço com múltiplas
determinações, agora, trabalho coletivo que mesmo só pode se o que é com o que
tem, nada. Manipulados, essa gente de cena faz uma estética repetitiva. Já vi
isso na rua, naquela terra velha que usa a juventude para um desejo secundário,
de negócio, de uma fama, de um estado político, de um cargo, de qualquer bosta
menos de ser ator.
Eles não têm culpa, eles não sabem disso. O
que fez foi horrível.
Estamos livres daquilo.
Não diga isso, qualquer um merece a vida,
mesmo uma vida ruim, idiota, merece viver, de ter o seu tempo, o seu momento.
Um momento é eternidade. Público algum, na
sua quietude inteligente de público não necessita suportar tal absurdo e ainda,
por hábito ao mal, se acostumar e ainda aplaudir esses tipo conducente e
conduzido.
Mas isso é de uma crueldade sem fim.
Com fim Dinaura, crueldade com fim, estamos
livres desse idiota.
Onde ele está?
Fica quieta, o Cortineiro.
Boa noite.
Boa noite.
Boa noite.
Ator é artista e ele nem chegou ainda ao
grau de pessoa, menos ainda humana.
Não fale assim. Conta, onde está o menino.
Eu ofereci a ele aquele instante de
emancipação da existência.
Onde? Eu estou falando com você!
Não grite.
Grito quanto quiser, é uma vida, seja como uma
barata, mas é.
Você não entende.
O quê?
Não fale nada.
O quê?
O sonoplasta e o iluminador.
Oi.
Tudo em cima.
Está certo.
Você acha que isso é suportável, isso
atinge a dignidade do teatro.
Não precisa cochichar desse jeito, não precisa falar remoendo, jogando as palavras para baixo.
Falo quanto queira, trate de me dizer
Janilson, por favor, onde você pôs aquela criatura.
Deve estar, deixa eu ver, pelo tempo, ainda
está bem.
Então o salve.
Para quê? Os pais, a família e a comunidade
vão ficar felizes com sua ausência eterna.
Merda.
Merda-merda.
Janilson.
Dinaura.
Quer dizer onde está o coiso do molequinho?
Já te falei, ele está, espera.
Espera o quê?
O maquinista está ajustando.
Não me venha com essa Janilson.
O sonoplasta vai pôr a trilha.
Não me puxe.
Puxo sim.
Não sei dançar.
Você não é atriz?
Não sei mais.
Viu, agora está bem.
Onde ele está?
O contra-regra.
Responda ao sinal.
Esse mesmo.
Faça o sinal para ele.
Já fiz.
Então tá certo.
Já fiz.
Então tá certo.
Depois que a luz volta eu ergo as mãos.
Está bem, o tempo é o mesmo.
É assim a vida.
Não me venha com essa, pode ter um menino
morrendo aqui agora e a culpa é sua.
Ele não sabe ler, não conhece dramaturgia,
faz um teatrão de prima-dona na frente, no proscênio.
Foda-se Janilson. Onde?
Não amarrote o meu paletó.
Onde.
O que quer saber?
Onde.
Segunda perna, vai à direita, atrás do
ciclorama.
No
refeitório.
Impossível.
O que é impossível?
Deram o sinal.
Se acha que é assim?
Acho.
Fica na posição.
Eu entro.
Entra aí, certo.
Dá tempo para repassar.
E quem entende isso. Blá, blé. O texto só tem sentido se tiver cena, se houver uma ação dramática.
Fim, não teremos mais problemas.
Pense Janilson.
Pense você Dinaura.
São múltiplas determinações, não é.
Fim, não teremos mais problemas.
Pense Janilson.
Pense você Dinaura.
São múltiplas determinações, não é.
Cada dia um novo dia.
Um momento que é a vida toda.
Então devolva esse engano, essa falta de alma, esse estado de calamidade mental, esse banquinho de veludo para a cena.
Nunca.
Então devolva esse engano, essa falta de alma, esse estado de calamidade mental, esse banquinho de veludo para a cena.
Nunca.
Chega, o terceiro sinal.
Merda-merda.
Quebre a perna.
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