Pague e mande
Pague e mande
Sentada à mesa, olhos pequenos estavam margeados por uma napa pressionada sobre o edredom da pele. Surgia do túnel algumas varas crispadas de cílios onde o espelho refletido mostrava as camadas do sorvete que a qualquer momento seria atacado por bonitas pás carregadeiras de alpaca polida. As sobrancelhas afinadas e quase toda arrebatada por uma mania de se flagelar em quase todas as manhãs de domingo ensolarado, retirá-las à pinça.
Pedro Moreira Nt
Sentada à mesa, olhos pequenos estavam margeados por uma napa pressionada sobre o edredom da pele. Surgia do túnel algumas varas crispadas de cílios onde o espelho refletido mostrava as camadas do sorvete que a qualquer momento seria atacado por bonitas pás carregadeiras de alpaca polida. As sobrancelhas afinadas e quase toda arrebatada por uma mania de se flagelar em quase todas as manhãs de domingo ensolarado, retirá-las à pinça.
O cabelo liso,
esfiapado, mantinha forçosas e trágicas
ondulações que lhe traria, pensava, alguma dignidade. A boca foi toda
debruada com a entrada de uma espécie estranha de gordura química que inchava
ferozmente os lábios, a fim de
enaltece-lo, e a mostrar que ao pronunciar qualquer palavra sacudiria, em um
quase vibrato, as intenções mais baixas que qualquer um em sua banca de
convidados imaginaria adormecidas.
- E, mais.
Mais muito mais, minha cara.
A orelha escondida por uma verruga de
ouro luzente mostrava que ovularia a qualquer momento, estando pronta para
aumentar a humanidade ao seu estilo.
Criaria uma pessoa que ao nascer, ao invés de chorar, rir, faria uma cara cínica ao mundo.
O rosto luzia de um corante a disfarçar a infeliz situação dos intestinos com pequenas protuberâncias, não muito claras, que se escondiam na massa dos cremes protetores.
Criaria uma pessoa que ao nascer, ao invés de chorar, rir, faria uma cara cínica ao mundo.
O rosto luzia de um corante a disfarçar a infeliz situação dos intestinos com pequenas protuberâncias, não muito claras, que se escondiam na massa dos cremes protetores.
Eduque-se, diziam; e dizimavam qualquer outra reta, mesmo as mais corretas a seguir. A educação é tudo. Coma com as duas mãos. Veja o jardim ta alto. Os dias claros são ridículos. Vá de trem para Nova York, voe para Joinville. Converse com o seu amante, ele não entende. A cadeira grande é para cadeiras abençoadas. Igreja já. Descanse um pouco. Beije o vizinho que jogou pedra e riscou o carro. Mate formigas, elas queimam.
- Cala a boca dessas palavras. As palavras mordem. Elas que esganam o cérebro quando entram na mente.
Era a sua oração.
Teria seres de duas ou mais cabeças, viriam como um estepe a mais para alguma necessidade.
- Imagine, imagine a morte, a merda da vida iluminada na morte, imagine você voando longe desse deserto. Imagine.
E vencia todas as imagens no cinza invernal de sua sombra.
Era a sua oração.
Teria seres de duas ou mais cabeças, viriam como um estepe a mais para alguma necessidade.
- Imagine, imagine a morte, a merda da vida iluminada na morte, imagine você voando longe desse deserto. Imagine.
E vencia todas as imagens no cinza invernal de sua sombra.
Mas se via, ainda assim, o
jardim maduro de espinheiras e cravos, além das manchas esbranquiçadas que
tolhiam todo o caudal na transpiração. A pele borrada por sardas e pontos ferruginosos do fungo que a devorava.
Vestia-se com uma manta de cetim entre escuro e frio. Uma pequena rede de um tricô guardado enfeitado por crocitadas desavisadas, meio que sem ordem e com alguns pompons minúsculos que pareciam galardões: uma guerreira.
Vestia-se com uma manta de cetim entre escuro e frio. Uma pequena rede de um tricô guardado enfeitado por crocitadas desavisadas, meio que sem ordem e com alguns pompons minúsculos que pareciam galardões: uma guerreira.
À sua frente dois andares com parapeito de creme em um
conjunto de cores de anilina, gorduras, lactose, e os demais espessantes, sódio, nitratos, e isso e aquilo, com um olho açucarado imitando
cereja. Como ou não como?
Em meio a um frêmito causado por alguma dúvida sobre a sua última leitura, estancou feita pedra.
Em meio a um frêmito causado por alguma dúvida sobre a sua última leitura, estancou feita pedra.
Alguma imagem se deslocava para a realidade,
olhou vagamente ao amontoado sinistro de cores berrantes da tijela, e, como que
resignada a agir, respirou fundo. A
saliva grossa que procurava conter a engasgou e a obrigou a fingir uma pequena
tosse ajuntado um bom bocado à colher funda. Uma colher imprópria, a do
açucareiro. Não queria perder nada e a profundidade garantia a quantidade.
Tentou esboçar a máscara com um pequeno e irrisório
contentamento. Aquele riso que é ríspido, como que um nojo estancado de boca cerrada. Apesar de corroídos, os dentes ainda tinham alguma pretensão.
E os mostrava, não por alegria, mas por uma finíssima ironia quebrada.
Aquela dor do rir sem rir. Por um ceticismo de saberes, de certezas conceituais, aqueles os olhos se mostravam, contas escuras e lacrimosas. Em tudo o movimento leve e duro. Não robótico, mas invasivo, como que a decisão de agir fosse um modo de espantar as moscas de seu original cadáver.
Aquietada como um gato sem forças. Para vestir tal seriedade havia em todo o seu ser uma despretensão ao cargo de pesquisadora, de Pós-doutora em assuntos científicos da grande área de humanas.
Aquela dor do rir sem rir. Por um ceticismo de saberes, de certezas conceituais, aqueles os olhos se mostravam, contas escuras e lacrimosas. Em tudo o movimento leve e duro. Não robótico, mas invasivo, como que a decisão de agir fosse um modo de espantar as moscas de seu original cadáver.
Aquietada como um gato sem forças. Para vestir tal seriedade havia em todo o seu ser uma despretensão ao cargo de pesquisadora, de Pós-doutora em assuntos científicos da grande área de humanas.
Humanidade digitada, tocada como real, verdadeiro, de uma verdade anotada, escrita e copiada, ouvida, calada e seca.
Quando necessitava enfrentar uma categoria conceitual, uma dúvida, e mais que tudo uma
certeza, fazia esse riso gatuno de um desgosto descomunal por expressar. Aprumava-se à mesa com as unhas rosadas de sangue em direção ao interlocutor,
apontava os olhos como agulhas negras feito verrugas. Baixava o cenho como a pedir piedade, a exigir que a poupem das blasfêmias que ouviria.
Então, os pelos das sobrancelhas raladas se esticavam afinadas definiam os lúgubres fiordes, entradas profundas, amarrotava a pele dois cânions, trilhos de raiva. E, assim, para completar, estancava. Um furor babento, latejando os dentes em um tremor paradoxal, jamais imaginado. Sustentava a massa grossa de saliva entre os caninos superiores e os derrotados inferiores como que respirasse com a boca, arfava.
E aplicava as unhas como se fossem atirar aquelas porcelanas na garganta de quem ousou lhe dirigir absurdos. E fazia de uma vez só em conjunção.
Todo o mecanismo muscular bailava no rosto, automático à sua necessidade. Chegaria perfeitamente ao tamanho de sua emocional importância e o espanto evidente, surgia.
Quem imaginaria que se transformava em menos de um segundo entre vaca voadora, elefante de chifres naquele pequeno e irrisório animal, ente infantil, uma gatinha doce e perfumada de mel.
E ao realizar tal transmutação qualquer um à sua frente no pavor dos acontecimentos tinha um espasmo.
Então, os pelos das sobrancelhas raladas se esticavam afinadas definiam os lúgubres fiordes, entradas profundas, amarrotava a pele dois cânions, trilhos de raiva. E, assim, para completar, estancava. Um furor babento, latejando os dentes em um tremor paradoxal, jamais imaginado. Sustentava a massa grossa de saliva entre os caninos superiores e os derrotados inferiores como que respirasse com a boca, arfava.
E aplicava as unhas como se fossem atirar aquelas porcelanas na garganta de quem ousou lhe dirigir absurdos. E fazia de uma vez só em conjunção.
Todo o mecanismo muscular bailava no rosto, automático à sua necessidade. Chegaria perfeitamente ao tamanho de sua emocional importância e o espanto evidente, surgia.
Quem imaginaria que se transformava em menos de um segundo entre vaca voadora, elefante de chifres naquele pequeno e irrisório animal, ente infantil, uma gatinha doce e perfumada de mel.
E ao realizar tal transmutação qualquer um à sua frente no pavor dos acontecimentos tinha um espasmo.
Assertiva
e vigorosamente voraz, espirraria aqui e ali a sua saliva densa enfiando as palavras chocantes em ouvidos e gargantas cristalizadas.
Houvesse a menção, a menor de uma pergunta ou resposta, atravessaria os saltos de quase quinze entre a costela, a atravessar o omoplata, e jogaria o seu chambre vazado de rendas como uma
tarrafa de anzóis de aço, e puxaria lentamente a rasgar o que sobrasse do miserável.
tarrafa de anzóis de aço, e puxaria lentamente a rasgar o que sobrasse do miserável.
Rapidamente, como que numa leitura de passagem, como a girar
páginas e páginas a pá carregadeira derrubava entre a língua e garganta a fria
massa que a obrigava a abrir aquelas contas duras em um brilho de lágrimas de
dor e alegria. Tudo ao mesmo tempo e completa histeria.
Voltou-se à mesa naquela manhã, depositou suavemente as patinhas umas sobre as outras. E em alguns instantes agarrou veloz a colher que guinchava no vazio do fosso inumano. Aquela protuberância insólita rosnava. Novamente, o basculante esperava ainda ser carregado.
- Será que é fome? Eu tenho fome? Mas o que é isso! Eu N-ã-o (comendo) comer desse jeito! Onde já se viu.
Engoliu o pudim, o bolo, a cereja, a banana, um pedaço da jaca em questão, em um sopro de vendaval.
Voltou-se à mesa naquela manhã, depositou suavemente as patinhas umas sobre as outras. E em alguns instantes agarrou veloz a colher que guinchava no vazio do fosso inumano. Aquela protuberância insólita rosnava. Novamente, o basculante esperava ainda ser carregado.
- Será que é fome? Eu tenho fome? Mas o que é isso! Eu N-ã-o (comendo) comer desse jeito! Onde já se viu.
Engoliu o pudim, o bolo, a cereja, a banana, um pedaço da jaca em questão, em um sopro de vendaval.
Pensou: Poderia comer a toalha. Não, já fiz isso antes, me da dor de
estômago.
O motorista a aguardava.
Ele que espere, estou pagando.
Depois, como que nada:
- Meu bem, vamos.
Depois, como que nada:
- Meu bem, vamos.
Meu bem quer dizer cão do inferno.
Estudou em colégio particular em seu tempo de menina. Sempre
dizia na cara das professoras quando a obrigavam, com todos os meios possíveis, a
ser por algum instante, antes do assassinato e roubo, antes de pôr fogo nos
mendigos, antes de tomar um cargo de alguém, que era, às vezes, humana.
Dizia delicadamente: Isso não serve. Não aceito.
E antes do concurso marcado, recorria a alguém que deu carona, que pagou o jantar, que colocou o nome em um artigo ou que tenha favorecido com um momento de descanso em torno da piscina aquecida na casa de praia:
- Escuta aqui, estou cansada disso.
Isso queria dizer muitas coisas.
- Acha que sou sua subordinada?
Quando o jardineiro limpava o jardim, sorria, parecia despretensiosa. Costumava pagar o jardineiro em um momento em que alguém entrava em casa.
- Pobre, eu pago.
Fuzilava a cara de um professor com um trabalho pendente.
- Você não que o que faz é pouco.
E antes do concurso marcado, recorria a alguém que deu carona, que pagou o jantar, que colocou o nome em um artigo ou que tenha favorecido com um momento de descanso em torno da piscina aquecida na casa de praia:
- Escuta aqui, estou cansada disso.
Isso queria dizer muitas coisas.
- Acha que sou sua subordinada?
Quando o jardineiro limpava o jardim, sorria, parecia despretensiosa. Costumava pagar o jardineiro em um momento em que alguém entrava em casa.
- Pobre, eu pago.
Fuzilava a cara de um professor com um trabalho pendente.
- Você não que o que faz é pouco.
E pagar não se apaga, fica para sempre como que definitivo. O direito de ter a coisa e usá-la quanto queira.
- Mais que diabo! (É o modo de suspirar).
Recebia o professorado para um petit comitê a fim produzir mais, planos, projetos, congressos, estudos, pesquisa, chefias disso e daquilo.
- Vamos, o que pedi é simples meus amores.
Meus amores significava um assunto alheio.
Recebia o professorado para um petit comitê a fim produzir mais, planos, projetos, congressos, estudos, pesquisa, chefias disso e daquilo.
- Vamos, o que pedi é simples meus amores.
Meus amores significava um assunto alheio.
Muitos professores choravam, desistiam. Muito engraçado,
pensava. Gente fraca, gente sem classe e sem dinheiro.
Um dia ela muda, diziam os gestores, gerentes e as
competências treinadas.
Os pais nunca foram intransigentes, apenas diziam: estou
pagando, pagarei, vou pagar, pago, paguei, e outros pagos. O ditado da família.
O melhor deles: cada na sua, cada um no seu quadrado, aceitamos a sua presença conquanto não peça nada emprestado.
O melhor deles: cada na sua, cada um no seu quadrado, aceitamos a sua presença conquanto não peça nada emprestado.
Depois de formada sentia endividada com os pais. Eles
pagaram tudo.
Quando aflita, triste, diziam: meu bem, pare de se
entristecer, você vai melhorar, precisa apenas de um cargo. E quanto a pagar o que ajudamos, sabe que isso poderá ser feito aos poucos. E não estamos cobrando nada. Você é ainda a nossa filhinha.
Ela rasgou carnes, tirou peles, esfalfou gente esquecida, amarrotou e cuspiu em muita gente.
Mas sempre com uma palavra de afeto.
- Faz favor meu anjo da guarda, venha aqui.
Era um tiro.
Aprendeu como é a vida na academia.
Mas sempre com uma palavra de afeto.
- Faz favor meu anjo da guarda, venha aqui.
Era um tiro.
Aprendeu como é a vida na academia.
Pague e mande.
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Pedro Moreira Nt