Percepção a diesel


Percepção a diesel 

Pedro Moreira Nt 

 A casa do doutor era muito extensa, altura e largura com grades de pontas protetoras contra cidadãos inadequados ao seu padrão de vida. As cores, e a arquitetura toda era um neoclássico que lembrava a casa de campo da rainha desenvolvida de um país conhecido pela TV. O jardim um tanto barroco, um tanto arcaico com estátuas de mulheres nuas feitas de cimento com coroa de flores e água artificial saindo de jarras. A novidade era uma planta da Malásia que aflorava à noite e de dia não suportava o sol e dormia seu longo sono. Flor de defunto em todos os cantos com suas luz colorida. Era bonito e ao mesmo tempo triste.

- Que casa!

Ele estava encantado porque notou acima das lanças prateadas da grade uma inscrição: cerca elétrica.
Fios e mais fios de um campo de concentração abandonado estavam distribuídos pelas linhas laterais e entre os hibiscos junto ao muro.
- Estou satisfeito com tudo isso!
- O que quer dizer?
- Até aí eu vou, não preciso de mais nada.
- Não acha muito?
- Olha, Jonas, o sujeito é médico voluntário da cruz vermelha internacional, ou deve ser de algum órgão militar, quem sabe trabalhe na defesa civil, usa cabelos pintados de branco para garantir o estresse.
- Como sabe disso?
- Pelo tom.
- Tom?
Ele se achava um destes que sabe ler a mão, nariz, garganta, cartas de baralho, pedras e azulejos quebrados, sabe ler o andar das formigas; estica o dedo para o céu e aponta sua profecia e é o que diz. Notou o tom, acho que deve ser uma nova descoberta sua. Tomancia. Tom do quê? Pra quê!
- Sou tom-perceptivo!
- Que é médico toda a vizinhança sabe.
- Por causa do carro? Ambulância?
- Nome da clínica no vidro traseiro da mercedes.
- Ah!
Ainda bem que o médico não usava ambulância, seria engraçado.
Eu disse  a Luiz que estava enganado. O médico não pinta cabelo de branco, tem os cabelos brancos devido ao estresse.
- Impossível! Olha, veja o tom dessa casa, veja como é artificial. E se ele tivesse cabelos brancos sem pintar, a casa devia ter outro cheiro.
- Que cheiro?
- Sou olfato sensitivo, sei do que estou falando.
- Cheirólogo?
- Sinto, sinto tudo, entra pelas narinas e pronto. Sou capaz de saber o que uma pessoa comeu no almoço só de passar perto, isso entre outras coisas.
- Nossa, invasão de privacidade, se for capaz mesmo devia ficar no aeroportos, lugares de embarques de carga, ia ajudar a descobrir muita coisa.
Ele ria dizendo que era contra seus princípios averiguar o que quer que seja ligado a roubo de carga, droga, porque tinha essa habilidade desde criança e não aceitaria submeter esse dom divino a coisas tão perigosas.
- Vê lá que descubro a participação de gente grande no meio dos pequenos, vou lascar minha vida.
Podia ser acusado de participação, destruído, tornar-se um adivinhão maluco que ninguém poderia acreditar, sua vida  tomada, assuntos os mais variados que ele não gostaria nunca de se submeter.
- Sou honesto, sei, conto; não sei, não conto. Como sei sempre, prefiro não dizer.
Ganhar dinheiro com isso, jamais.
- Luiz, que foi que comi hoje antes de vir trabalhar?
- Comeu feijão amassado, torresmo, café e farinha.
- Credo, como sabe, devido ao cheiro?
- De qualquer jeito a gente sabe, se não é pelo cheiro, é pelo tom, no seu caso sei sempre porque te conheço a mais de vinte, quem não reconhece a sua cara de virado e café?
- Verdade, é do que gosto.
Contou da casa, o cheiro de remédio, de aspirina molhada, cheiro de sangue coagulado, poeira de papel pintado, dinheiro, os tons variantes de lugar comum, um certo ar portentoso de hospital, um grande quê de arrogância paciente, coleção de fotografias tiradas desde a formatura (lugares que andou em busca de aventura segura, programada, mas que dá ar de sonho),  televisor gigantesco escondido num armário, fitas e discos de filmes de suas últimas experiências e viagens, um gosto de maresia no ar que lembra o barco polido, coberto na garagem e, depois de tudo previu que um dos filhos seria engenheiro igual ao avô, dono de construtora licitante na municipalidade.
- Como sabe que tem filho e vai ser engenheiro?
- Óleo diesel!
Não quis entrar em pormenores, entendi rapidamente. Havia uma pick-up estacionada frente à casa com nome de uma empreendedora local.
- Dieselmancia?
- Desde criança!
E eu o conhecia desde sempre e não sabia de seus dons. Não vou perguntar por que. Por quê? Porque não. Uma dessa ele põe o nariz para fora.
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