Percepção a diesel
Percepção a diesel
Pedro Moreira Nt
- Que casa!
Ele estava encantado porque notou acima das lanças
prateadas da grade uma inscrição: cerca elétrica.
Fios e mais fios de um campo de concentração
abandonado estavam distribuídos pelas linhas laterais e entre os hibiscos junto
ao muro.
- Estou satisfeito com tudo isso!
- O que quer dizer?
- Até aí eu vou, não preciso de mais nada.
- Não acha muito?
- Olha, Jonas, o sujeito é médico voluntário da cruz
vermelha internacional, ou deve ser de algum órgão militar, quem sabe trabalhe
na defesa civil, usa cabelos pintados de branco para garantir o estresse.
- Como sabe disso?
- Pelo tom.
- Tom?
Ele se achava um destes que sabe ler a mão, nariz,
garganta, cartas de baralho, pedras e azulejos quebrados, sabe ler o andar das
formigas; estica o dedo para o céu e aponta sua profecia e é o que diz. Notou o
tom, acho que deve ser uma nova descoberta sua. Tomancia. Tom do quê? Pra quê!
- Sou tom-perceptivo!
- Que é médico toda a vizinhança sabe.
- Por causa do carro? Ambulância?
- Nome da clínica no vidro traseiro da mercedes.
- Ah!
Ainda bem que o médico não usava ambulância, seria
engraçado.
Eu disse a Luiz
que estava enganado. O médico não pinta cabelo de branco, tem os cabelos
brancos devido ao estresse.
- Impossível! Olha, veja o tom dessa casa, veja como é
artificial. E se ele tivesse cabelos brancos sem pintar, a casa devia ter outro
cheiro.
- Que cheiro?
- Sou olfato sensitivo, sei do que estou falando.
- Cheirólogo?
- Sinto, sinto tudo, entra pelas narinas e pronto. Sou
capaz de saber o que uma pessoa comeu no almoço só de passar perto, isso entre
outras coisas.
- Nossa, invasão de privacidade, se for capaz mesmo
devia ficar no aeroportos, lugares de embarques de carga, ia ajudar a descobrir
muita coisa.
Ele ria dizendo que era contra seus princípios
averiguar o que quer que seja ligado a roubo de carga, droga, porque tinha essa
habilidade desde criança e não aceitaria submeter esse dom divino a coisas tão
perigosas.
- Vê lá que descubro a participação de gente grande no
meio dos pequenos, vou lascar minha vida.
Podia ser acusado de participação, destruído,
tornar-se um adivinhão maluco que ninguém poderia acreditar, sua vida tomada, assuntos os mais variados que ele não
gostaria nunca de se submeter.
- Sou honesto, sei, conto; não sei, não conto. Como
sei sempre, prefiro não dizer.
Ganhar dinheiro com isso, jamais.
- Luiz, que foi que comi hoje antes de vir trabalhar?
- Comeu feijão amassado, torresmo, café e farinha.
- Credo, como sabe, devido ao cheiro?
- De qualquer jeito a gente sabe, se não é pelo
cheiro, é pelo tom, no seu caso sei sempre porque te conheço a mais de vinte,
quem não reconhece a sua cara de virado e café?
- Verdade, é do que gosto.
Contou da casa, o cheiro de remédio, de aspirina
molhada, cheiro de sangue coagulado, poeira de papel pintado, dinheiro, os tons
variantes de lugar comum, um certo ar portentoso de hospital, um grande quê de
arrogância paciente, coleção de fotografias tiradas desde a formatura (lugares
que andou em busca de aventura segura, programada, mas que dá ar de
sonho), televisor gigantesco escondido
num armário, fitas e discos de filmes de suas últimas experiências e viagens,
um gosto de maresia no ar que lembra o barco polido, coberto na garagem e,
depois de tudo previu que um dos filhos seria engenheiro igual ao avô, dono de
construtora licitante na municipalidade.
- Como sabe que tem filho e vai ser engenheiro?
- Óleo diesel!
Não quis entrar em pormenores, entendi rapidamente.
Havia uma pick-up estacionada frente à casa com nome de uma empreendedora
local.
- Dieselmancia?
- Desde criança!
E eu o conhecia desde sempre e não sabia de seus dons.
Não vou perguntar por que. Por quê? Porque não. Uma dessa ele põe o nariz para fora.
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Pedro Moreira Nt