Prego



Prego
Pedro Moreira Nt



  Há muito significado no prego. Talvez estejam lá à venda. Algum antigo mercador no pregão diário está por aí a ajuntar os pregos da vida e a revendê-los.
Quando estiver exausto, cansado, quando enfim, no prego, poderá entender. Prego de empregar isso e aquilo para o trabalho, fazer pregas na costura, de pregar mesmo, e apregoar, de pregar naquele sentido transcendental, no pendurar tem prego e outros empregos podemos dar àquilo que sustenta e estar cansado.
E nada a fazer, e um querer fazer sem faze-lo de preguiça.
         Nossa, sustenta também tem prego?
         Ele sustenta a família, o carro, sustenta o banco e os juros; são ou não sustentáveis tais condições das bolsas, inclusive alguém sustenta a bolsa no sentido de carregar pendurado.
        E pendurado tem mais coisa ainda: veja que pendurado é o sujeito que está no prego e é insustentável; quer-se dizer que aquele cara tem altas dívidas e acabou cedendo ao banco depositário fiel aquilo que acreditava suster, mas que incondicionalmente o deixou endividado. Santo! Endividado!
     Impossível de dividir, ou mal dividido, ou mal resolvido, sem grana, sem meios - impossível de realizar a operação da divisão -, sem resolução cabível.
         Aliás cabo, pedaço de terra, mar à costa, cumprimento que atinge um objetivo evidente, no caso água do mar, o sujeito que dá as ordens imediatas à seu subalterno, aquilo que faz papel de alavanca, faz mover algo dependente de uma ação - no caso o cabo da enxada -, dando cabo ao assunto, capaz de executar, realizar, definir, terminar, um apêndice, que é parte, pedaço de algo que foi dividido, coisa que veio de uma divisão militar por exemplo, e aí vem cabotino, repetitivo, cumpridor de tarefas, refreado, diferente de encabado, que quer dizer preso à uma circunstância, preparado, destituído também de outra possibilidade, que não vai adiante.
         Adiantar, ver o dia novamente, atentar ao dia, seguir passo-a-passo, tomar caminho, confiar, ser esperto, oportunista, tomar lugar, reavaliar as condições com rapidez, meritoso; está adiantado, superior, acima das condições propositadas, faminto, expedito, laborioso. Que a lide faz a lida aos que lideram.
Mercadores de tralhas que vendem vidas morrem a quererem ser o tempo e jamais lídimos por não cavarem de suas próprias mãos a vida, mas a morte a má sorte dos desvalidos, nós.
Esse nós que é feito do nó, do arrocho que nos unem e nos despedaça.
         Aí é o seguinte: lareira, lar, labareda, lábaro. Labor (trabalho), energia gasta para um fim adiantado em si mesmo para ser dividido a todos o alimento que a cabo conseguiu laboriosamente porque o fogo interior, a centelha conhecida entrega de semideus, oferenda roubada, a luz o esclareceu e o fez  melhor. , tornou-se caminho a ser iluminado a aquecer pessoas que pregoaram esse desejo de luminiscência.
            Bom é um negócio de lumen, você entende.
         E negócio nada mais é que negar o mais importante (que nem mesmo precisa de luz (fialho) ou filho de luz, ou centelha), o ócio e isso é algo incrível no espreguiçamento. Mas negar tem uma raíz ao negro, ao africano.
         Tenho a impressão que negativo carrega a beleza de não fazer que parece ser pregável ao sentido mais ilustrativo possível de que a desobediência é o ato da liberdade garantida, e negar-se é ao menos, no mínimo paz, descanso, alegria que não se tira de ninguém, mesmo na submissão aos que não param, negociam, fazem tratos e tratados, doutrinam a quietude e o bem estar a um eterno movimento imposto.
        O ócio mostra um reconhecimento de si ao que não mais necessita realizar. Vender o descanso, o estado natural de vida dormitada, sonhada, desejada, de entregue a si mesmo é a negociação. Como que tudo estando em movimento exigisse a todos, os que estejam assim, por serem assim jogado à roda de Shiva, ao tempo dançarino na roda viva se metessem a querer alcançar os deuses para lhes tomar as distâncias, os futuros para o enriquecimento de quem os manda. Mão a dar-nos porrada.
           Vendem o mais precioso rico que somos, o que realmente temos - porque nos perdemos no tempo guiados ao indefinido -, a felicidade de não fazer. 
         E se deita ao tempo que indefinidamente segue na carroagem ao lugar do jamais feito e conhecido, que nos dá a surpresa da vida. Despregados dos infelizes, libertinos em nossos prazeres, jogados além e na certeza da nulidade do açoite. Um instante de nossa eternidade chacoteia a brida de Krishna.
          Sem nos pôr nada às ancas, sem nos escancarar, porque longe de tudo está o que não é presente.
          O imediato insustentável só existe na abstração.
      É desse despejo de tralhas que se ajuntam e se amaldiçoa os deuses, elas todas feitas das canções da labuta. A materialização do não-ser, do não-trabalho em se perder o tempo. 
    Do intervalo do trabalho querem que trabalhemos pregando obrigações, ética da obediência, de subserviência. Querem que nos encantemos com o lixo de suas histórias à subsunção, em nos coisificar à venda do tempo que despejamos para pregar a vida na tábua de suas fortunas.
     Atenta-se aos deuses esses coitados, do coito da sobrecarga, da mais valia, do pedaço em pedaço tornando o lazer a visita às lojas, onde assistimos boquiabertos as nossas perdas. Ali estão vistosos o descanso morto.
    'Coisados', somos coisificados, um treco a tareco qualquer  se desgastam para que sejamos tais coisas.
      Coisos coisentos que se cozem ao cozir um tempo que negamos, desobedecemos em nossa negritude de completa liberdade aos amos. Sem amos somos e menos pregáveis podemos ser.
       Mas quem lhes dá tais direitos e a nós deveres é o prego, o Estado que nos come a fazer pregas de nossa idade. Pró régio, prévio e dito de um rei que nos invade o tempo. E a tirar, em fitas de laço duro, prego, a vida no chicote da comparação estúpida que faz a doutrina, o direito no esquerdo que lhes dá a mesma medida da batida, em ferir a possibilidade de alegria.
    Só rimos do cinismo, da piada má. Identificamos toda essa parafernália na idiotia de risos porque nos vemos, os que são retirados da carruagem de Vishnu.
    Ainda que siga a arte, a criatividade absurda e intempestiva de Krishna, nós, os arjunas somos arremessados no turbilhão da guerra. Matamos os nossos irmãos, aqueles que são chamados nós mesmos.
#######

Postagens mais visitadas deste blog

Nada, como estar entre a gente

Clientes amigos

Na ponte, Maria