Amor de perdido imposto.

Amor de perdido imposto
Pedro Moreira Nt

Antes era melhor. Sempre atrás do que foi está o magnífico. Uns passos de costas e, o abismo das emoções. Eu a olhava com aquele cabelinho crespo e dourados. Um anjo de molas, suave e flexível. Um dia, que já faz tempo, não resisti ao peso comum das mãos e pensei em uma poita de afundar barco leve, uma com pedras enclaustradas no arame forjado ao sol. Vamos pagar impostos juntos? Não sei. Acho que foi falta de poema. A intenção tão clara. A gente pisando na escadaria e descendo dela, assinando no cartório a nossa dívida moral. Quantas pessoas desejaria no escondido de suas luvas, - usaria luvas de pele humana -, e veria escorrer a civilização nas sardinhas enlatadas onde o sufoco salgado no óleo de corpos, de olhos em corpos equilibrista da jardineira. Um novo emprego, filhos, aquela tascada de mão do patrão que diria de maneira envergonhada, de uma delicada maneira sulista de amar: é só para conformar, tava meio caído. A carinha envergonhada, o jeitinho todo comedido feito uma lágrima. Depois, quando envelhecêssemos e nem pudéssemos mais conter aquilo que foi, quando a doença nefasta começasse lentamente a corroer nossos ossos, quando enfim, mal enxergássemos aqueles anjos magros que a varicela comeu, como cordões animados em pleno carnaval nos intestinos, e deixássemos cair os dentes e a placentária ruga da cara, então. Então sim, sentados a uma varanda alugada de um dono arruinado, ouviríamos a voz cantada e solícita do cobrador à nossa porta. Gentil, batendo as duas mãos. Ah! que sonho! Passearíamos em um parque azeitado no ar de cadáveres defumados, viríamos balões desesperados a colorir o ar e chora de crianças, muitas, dede cedo sofrendo a perda de seus sonhos. Caminharíamos com nossas bengalas até a escola onde pela primeira vez nosso filho tornou-se burrinho, atrás da porta, como no presépio do menino Senhor. Alma viva, alguém diria: não pode entrar, tá fechada. E a gente acostumada aos solavancos das palavras onde se esconde a ordem, a regra, o mando ficaríamos atordoados de emoções jamais planejadas. É como dizer que um aborto vira sabonete que cuida da pele de gente que merece a vida. Ficaríamos gratos, sentados no jardim abandonado do lar. Viria a polícia nos empurrar docemente para o programa de televisão, eles, tão arrumados, bem fardados com lindos rifles polidos a nos ensinar a sermos cidadão. Mas não, ela não quiz. Casou-se com um advogado que fez a vida em contas de bilhar, ganhou no tunguete e hoje é juiz. Tem de tudo o que não tenho, no rosto uma cicatriz que é a marca da poluição. Já a vi, um pouco a mais da minha idade, mas tão ajustada como se tivessem feito um transplante do motor. Sorriu, dentes novos com jaquetas de aço. Parecia dizer: tchau otário. Garanto que fosse alguém de elevada cultura, que soubesse bem a diferença de uma roça e de outra, me olharia diferente, talvez, penso, veementemente a dizer: me queira, vamos à feira. E corríamos sobre os meios-fios para não cair nos buracos das ruas, só para ver um assassinato.

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