Gibi de la Cruz

Gibi de la Cruz
Pedro Moreira Nt

Na estante um quadro de San Juan de la Cruz poderia dizer
Saborear tudo e ter nada em coisa alguma ser tudo ou nada possuir.
Olhou nos olhos, mas de viés.
- É essa.
- Me interessa.
- Se levar na merenda ganha um buque de fotos.
- Sério.
- É. Mas tem que sair sangue desse velório.
- Quero ver ele se remexer de dor quando perder tudo.
- Ele vai perder?
- Deixa comigo, que conheço do negócio. Sei onde a bicha come.
- Me deixa louca.
- Mais?
- É agora, disfarça.
- Vamos nessa.
Foi chegando no retalho da blusa.
Podia dizer o canto: O que não sabe, no gosto que não tem, chegar a tudo como que nada. Feito tudo que nada é. Na estaca dos olhos coisa alguma possui a tudo. Um quase sonho de humana fé. Descarta a falta, eleva o paladar para saborear e aproveitar da coisa o que ela é. E o que não é, em nunca ser, tornar-se ao menos vil.
Lançado em todos os cantos se houve o oceano.
Ondas de todos os cantos na noite escura de todas as almas.
Os olhos caminharam no furgão. Aqueceu o rabo de peixe, atendeu ao telefone de mentira. Deus uns pulos esticando os braços. Sentou do lado.
Ele se aproximou dela e disse.
- Como pode dizer uma coisas dessas, eu não sou assim.
Falou no ouvido.
- Jura?
Disfarçou um riso. Fez uma brincadeira infantil. Mostrou a cicatriz de bandido perfumado. Aquela cara de vômito.
Ela agarrou a mão dele.
- Não acredito que seja tudo isso.
Reclamou da casa, da vida dura, do azar que teve, do Julin. Quase chorou uma lágrima. Uma bem bonita. Dobrou as pernas, mostrou a sapatilha.
E ter gosto, não goste nenhum pouco. Que a vontade não é desejo.
Então ele comentou com a boca cheia de cuspe, melada que ela não merecia uma vida dessas. Que com ele ela ainda teria peito. Teria força para encarar a vida com maior liberdade. Falou em vários tons, altos e baixos, afinados perto de sua garganta.
Teve um estremecimento. Moveu os cílios lentamente. Segurou a barriga. Deu uma risa imensa, rouca.
- Viajou.
Se encostou, foi pegando a carne, foi juntando as pernas e levando para a livraria que já estava quase fechada, foi atrás do andar, foi no canto escuro, empurrou a bíblia, empurrou o sermão do bom ladrão, desafiou Santo Agostinho, foi enfiando um carinho na língua e ela disse: ninguém me ama.
Ir adiante para onde não se é, sem nada querer em nada se alcança tudo.
Daí sim, ele grudou para valer. Disse umas coisas que se diz para o bicho comer na bacia. Para que o cão não detonasse a espoleta sem ser a hora da mira, sem deixar rastro de pólvora.
- Você vai me atingir?
Hoje não, respondeu. Hoje só estou averiguando.
- Agora eu quero.
Levantou-se como deixasse a mala de viagem sem olhar para trás.
Não possua antes de possuir, aguarda a brisa que o vento leva o fogo das velas.
Na saída ele fotografou um riso de comprometimento e verdadeira sinceridade.
- Amanhã. Vem curta. Nada está cheio.
Morde os labios, quase acena, quase acredita em Santo Tomas de Aquino.
Sai.

Postagens mais visitadas deste blog

Nada, como estar entre a gente

Clientes amigos

Na ponte, Maria