A morte do ator
A morte do ator
Pedro Moreira Nt
Janilson, você enlouqueceu. Onde já se viu. Tanta coisa para se livrar, o peso mortal da vida, e você faz isso.
E quer o quê? Era ruim, tinha aquela voz de rouquidão doente, um corpo lânguido, sem vida, uma expressão de gente doente, de gente pedindo dó, olhando para a cara do diretor a dizer, "ó, estou aqui". E depois auto-piedade na cena. Faz favor. Ainda não sabia a pronúncia do texto em português. Vergonha. O mundo de Dionísio exige ao menos a safadeza da inteligência. Agora, um energúmeno tomando a vida cênica par um estúpido momento de vaidade pessoal, vai pro inferno. E mais a mais, sem ritmo, sem percepção do outro, sem entendimento com aquela vozeca eca mole, melíflua e desengonçada, parecia marrado, e ainda dançava, tentando, depois de tanto esforço achar onde pôr os malditos pés, sem contar as mãos, elas sim coisa morta, estarrecidas, duvidosas, ponderadas, medidas, fragilizadas, infinitamente estúpidas.
Mas o menino ia ganhar um papel na novela.
Estamos livres dele.
Na novela Janilson.
Quer pior?
Podia dar certo, ué.
Se bem que cara de tanso, mosca morta funciona para o irrisório.
Janilson, escuta, Janilson. A gente está no teatro, merda.
É o lugar da função, do residual sagrado, da intempérie, não cabe essas escamas.
Não é o lugar de cometer um crime. Um crime de verdade não cabe aqui, você sabe disso.
Mas aqui, aqui é o tablado, ali a cocheira e a condição de ao menos querer ser.
Tudo bem, mas é jovem, não sabe ler ou ouvir direito, não acompanha o raciocínio do espaço, tem dificuldades em compartilhar, não apóia ninguém, incapaz de uma passada, de uma determinação moral.
Mas isso é a tal moral. Isso é fazer por si só num lugar que se realiza no coletivo.
Que seja.
Uma ova. Não tem ética, não decide. Pensa que a cena está ao entorno do seu ponto um, como que não houvesse sentido a existência, senão a dele.
Concordo, está certo. E fez isso.
Fiz o que o público, no fundo, na verdade quieta do público desejava fazer.
E o que será de você? Vai para a prisão, vai ser apedrejado por essa gente que realiza espetáculos apenas na improvisação por que de nada lhes provê, não tem provisão, não se jogam sobre a teia fina de um texto porque correm o risco real de caírem de boca de terem que se apresentar, de tirar a máscara e aparecerem ao vivo vomitando palavras que mesmo não entendem. Enquanto isso estará amarrado, escondido, apertado numa cela e vivendo a mendicância no hotel do governo. Não é certo. Se sabe que as coisas estão assim, estão submetidas a um aleatório decorado, copiado das vontades estrangeiras, se não possuem um fio na alma para saberem onde estão senão por suas ganâncias, seus interesses de produção de última hora não é você. Não é você que vai mudar isso matando um menino analfabeto. Não é Janilson.
Agora é tarde, deve estar no estertor.
Onde você enfiou aquele menino?
Bem, eu tive de leva-lo para conhecer o espaço onde trabalha, só isso.
Atrás do ciclorama?
Não, ali não tem nada que finalize uma existência gratuita.
Onde pôs o merdinha?
Isso é provocação Dinaura, provocação à inteligência.
Na segunda perna?
Olha, sinceramente, fiz o que qualquer um nesse país devia fazer.
No guarda-roupa, na camareira?
Ele não entraria lá.
Em qual camarim?
Ele não sairia de lá e nã voltaria, você sabe, o camarim é esse lugar que é daquele momento.
Sala de ensaio?
Que é isso.
Onde? Por Dionísio, eu quero saber!
Ator passa fome.
Na cozinha da técnica.
Eu ofereci um sanduíche e soltei o gás.
Que idéia. Vamos lá.
Não. Pode explodir.
Além do ator quer matar o teatro inteiro.
Fica quieta, o corticeira.
Boa noite.
Boa noite.
Boa noite.
Alguém está fazendo um sinal.
Idiota.
Não me chame de idiota.
Não é você. Sou eu.
Vai de uma vez.
O contra-regra está dando sinal.
Eu estou ouvindo.
Dá tempo?
Vamos repassar novamente.
Onde eu estava?
Aí mesmo.
Começo. Aqui é o teatro.
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CONEXÃO COM ALONSO
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Pedro Moreira Nt