Enfim, Paris

 



ENFIM PARIS
Pedro Moreira Nt.







Ganhei na loteria e ninguém mais sabe. Com tudo que tenho em que sou nessa lentidão de morte fico a pensar no que fazer. Irei novamente às Três Vendas ou caminharei novamente pelo Atacama, descerei até a Rigoleta e pedirei aquele café com pães de queijo, talvez. Deixarei tudo no banco e vou para lugar algum, entrarei na biblioteca naquele piso superior e deitarei no sofá e aguardarei o retorno do silêncio para que me pegue de assalto em cada página guardada.


Novamente o senhor Mies me encantará com sua arquitetura, talvez Dick Adams retorne da última pescaria e nada lhe tenha ferido dessa vez, quebrarei um vidro e farei um Pequeno Vidro que enviarei também à Filadélfia ou à Fundação Ford, pedirei asilo na Academia para entender por que ele está ali? Nesse ambiente onde viveram raposas mora o Gino com o seu corpo cansado e sem cansaço, sua pele forte pronta a atacar qualquer estranho, qualquer conhecido estranho me olha com uma profundidade pavorosa. Aqui, eu acho, ante a tantos ganhos, no sofá, verei passar por mim o senhor solitário Thoreau, o homem que diz ser possível o singular, acredito, mas único em ser mais não. Só ele poderia ter sido. 
Uma letargia vai me tomar, então pedirei para me trazerem um pouco mais de café e pães de queijo, e me alcancem aquele da Genealogia e o dos Ensaios, o proibido. Direi: esse, não o outro, esse com capa descarnada. E me atenderão e dirão coisas afáveis que só podem ser entendidas no olhar. 
Talvez eu desça o Tigre e visite aquele sujeito com aquele cão novamente. Pegarei o barco e virei deitado a ler o que ele havia colocado em tantas palavras sem ponto algum. Um coisa assim ele fez: Não é possível a eternidade como proposta, só mesmo o minuto que já é tempo suficiente de aborrecer pode ser compreendido como tal. Não mais que a ríspida mudança da temperatura, a árvore cortada, o bicho morto a coisa perdida e mais, igualmente o que foi ganho, o que é agradável e se tem escolhas.


Pode-se dizer como eterno e puramente vivido, digo isso e retomo a isso porque é assim: não se alcança qualquer eterno senão no dia a dia que se esvai com o que é acontecimento, uma passagem no agora que não perdura na memória o complexo de seus instantes. 
Se eu for de ônibus até a minha velha Santiago demorarei nas montanhas mais de dez dias, e novamente ouvirei a Mistral e terei de partir até o sítio e me esquecer a ouvir Neruda. Então não quero, não porque o sofá está quente e Gino ainda me olha como se eu fosse um bumerangue que ele deve pegar com os dentes. Ninguém ama os cães aqui então terei de ir ao banco, sinto muito.
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