Jogar bola solidão





 Diga nada solidão. Estou cansado de sua inutilidade em toda quantidade de sua tímida unicidade. Vou jogar bola. E bem longe, para dentro do azul escuro da teoria das cordas. Serei livre do atavismo de sua antiguidade, da  taxonomia das classificações e do determinismo barroco das volutas como solidificação do ser social. Reificarei o que sou no vazio de sua tautológica ausência. Vai segurar guanxuma.

            Vá às pedras enfermidade viral das prontas certezas. Ouça o óbvio. A canção do incontido. Solidariedade, o derrame econômico da piedade. A humilhação que humildemente pede, e está frente ao templo dos descrentes. Solução do voo em plasma, chute certeiro à distância no imediato. Provo a curva ascensional. O infinito nos pés.

Imaginou que podia descansar sobre minha corcova e correr o espaço sem tempo, azar. São mais que o poder do arco essas lanças apontadas, quanto mais se passa o caminheiro. Girar o corpo antes que a história pegue no baque. É toda tola, enrolada em si mesmo, e aproveitada da sombra por coerência, muitas vezes formais, calculadas. Sólido silêncio de tantas rasas palavras. E vai subindo ou na descida conformada com a porrada da vida. Sem passes e dribles maquiavélicos. Corre o ar do vácuo. Por mim tenho só o lamento que sou obrigado a lhe dar movimento. Mas assim é. Mudança é a materialidade da esperança.

Nada fica por nada, eternamente como que nada. Ao menos um erro faz o acerto. Entrar de quina, a quinta base da coluna, vazar a esfera no lance de ouro, ainda solar. Atravessar o gomo da formosura e corromper toda estrutura. O seu retorno será o mesmo do que foi. Efeito de chuteira, rebate, rebote, rompimento da ordem axiológica, gritaria. Estará no rol dos enganos, afamada por sua nulidade. Espectro da ausência corrosão estabilizada da permanência. De cara com o último sólido metafísico.

Filogenia das aparências. Consciência do escroque viver descambado. Segue a trajetória liminar de luz que a curva de seu peso e consistência do viver por si aviltado. Sai dessa. Anda ao menos sob o arame das tramas das fantasmagorias. Arranhe esse edifício de eternidade corrompida, para o além das resistências, de sua física questionável, centrípeta conivência. E mal que seja o social tão abrumado com suas lâmpadas escuras. Pega o linho de sua capa que romperei da meta a sua carne escassa. Roa o céu em desalinho, suma no estágio de partida sem rota.

Unidade pequena, raquítica da mesmice. Imediato invisível. Eu te ponho em ação a te elevar bem ao nível do esquecimento, único motivo da lembrança. Não quero gol, quero o time da partida. O meio campo de almas perdidas. Singular presença da vida. Estocar na face o grito quieto, distante da pequena área, no escanteio da violência, arrasta causas em comedimento, come o seu alimento e corre daqui. Se frange motivo dessa repetição, nessa academia de saltos domo tua perdição, sem lugar e sem razão. Dance seu samba estelar, se mande desencanto, traste sobre a relva desfilado, fio de navalha no couro da alma temperado, solilóquio de encarcerado. Parta pedaço do acaso. Este simbolismo, jaguara de iletrado, esfuma obliterado.

E se ama solidão, a ubiquidade do disperso, da horda humana em guerra. Se quer essa imensidade caída sobre si, como que sustenta todos, apertado em si, e  abraçado o mundo entre as pernas. Mergulha no espelho de si, no abismo do outro, cria desespero, amarra o burro, e fica na orgia do medo, o pavor de seguir. Rola essa cava esférica até o último passo para apenas dizer que levou consigo o possível, o entendimento, perdão ao viver. Dá de franja nesse capotão, arreganha a pele falseada, enfia o vento no retângulo, inventa que tenta, e acerta que morre alerta. Alguém que vai trair, que recebeu o bicho antes da hora põe fora a sua vontade.

Sabe que se roça teus pedaços, e pensa estar em pé. Leva o livro debaixo do sovaco, desodorante do legalismo, diga que permanece. E é cobra no engano, meia-lua sem luz na noite consigo mesmo, sem ninguém à volta. Acredita mais uma vez que se livra dessa plasta. Que pode correr sozinho. Inútil reconhecer o esqueleto que se mexe. A penumbra, fractal intenso sem brilho que não vê. Vai devagar, rapidez. Aperta o calcanhar intrepidez zoa de teu lamento. Diz que cintila, que as trevas não travam a correção do tiro. Manda ver. Ergue para a área, deixa que se dane, que aconteça, que tenha lá quem ponha a cabeça. Solidão dorme nos braços tingindo o uniforme de sangue.

Quem vai se livrar desse satã precisa entender a ferida, enforcar as três cabeças em um só punhado do cão. Alimenta a solidão com palavras de insensato. Todo exato no volume espesso do cabresto. Amarrado e levado à exposição o decaído. Esta é a subida da nulidade, exaustão. Estádio cheio para assistir a monótona distensão de suas patas. Puxado pelas ventas, assombrado com o passeio no cemitério alegre da torcida. Todos vêem que está na liça sem saber qual lado deve percorrer. O cadáver morto da expectativa é maior, imensurável solidão.

Com o que mais defronte, quebra a perna no carrinho, come teu dedo, rasga a canela, e se desmancha em dor, rola apavorado, a catimba que valem os restos. Enfim no chão, comendo grama, bebendo suor na preguiça. Faz a falta e acerta a barreira. E além da forma geométrica se salva na lateral. Vergonha alguma, esperteza, inteligência que adora a perda. Perde sujo, corroído, ossos do ofício de existir no campo iluminado. Chove púrpura, o lastro do orgulho, e se banha na lama para dizer que está de luto.

Definha fantasma sem lida, faz qualquer coisa satanás, arranca essa madorra, morra, ou põe de vez a medusa na cara usa a vertigem que leva teu sobrenome. Some fantasia, tira dos ombros esse planeta, vai plantar bananeira no curral de bostas. Não minta que vai pôr na veia e arregaçar essa pelota, enfiar no canto. Ara essa forma rígida, tira pedras do espinhaço. Entra nas águas da tormenta, raspa faísca demoníaca. Desista, leva para casa esse peso morto, deita no conforto.   

Aborto da bondade divina, preso por litanias no enterro da existência. Vergonhosa broma da demência, foge desse mundo por onde é cassado. Foi só um treino, teve um mal abrupto, fisgada, estirou o músculo o verme sem ossos. Despreparado, corveia de defuntos, amarra chuteiras, pendura na saída da entrada perdida, encanta o suserano o teu trabalho feudal. Paga mais um pouco os esforços renitentes de boa memória de ser apenas penitente. Carrega essa carga no andor sem derrubar o santo. Balança suas miudezas, faz dela o pão com tristezas que divide em nacos, bebe o vinho. Dissimulado protagonista do passado, o que não foi e não será.

A massa que o diabo amassou vai ao forno da crueza. Fere brasido, queima maldito, inócua liberdade. No colchão do arrependimento, calado abandono do pesar. Vaza os olhos da pureza, costura a boca do sapo, passeia no território das desculpas, a identidade, o leito protegido, limite, fronteira e diz que é pertencimento, mostra que é por juramento seu calor de autopiedade. Rastejar lesma mórbida seus traços no fulcro medíocre a denominação inválida de qualquer significado.

Cobra que não dá bote, coió no antro, no buraco do apronto, na astúcia do esperto, simulacro do próprio engano. Cai do mato,e sobe o arroio, desce da bancada, levanta perdição. Abandona solidão, se lava no vulcão, toma tento, a alvorada morreu à facada e desce o fim vermelho com o aço, seu único brilho. Desanda daí jogador, busca outra mesa, seu time se foi para o vestiário, não tente levar a bola sem ver o fim, sem comer o pasto. Fica bem em gente desalmada, trancada a fala, a tensão por nada, cara metida, veleidade da natureza ignorante, pernóstica, cheia de ré-dó-si, pedantismo de candeia posta do lado da fogueira. Serve para morrer amanhã e sonhar que a estupidez só vem amanhã.

Mas ser desgramado, sem pôr pé algum no verde, deixa de ter sentido. A camisa do time, sai pelo beiral da cidade, mostra que vem de alguma ordem oculta, e se faz de bem. Rapa solidão. Anda embora, leva contigo toda sua vergonha, casta encolhida, formalidade das descrições honrosas, o olhar fogoso para a platéia, buscando assertivas, orgulho da frase de efeito. A velha promessa dos covardes. Tabica que era cavaco ajeitado virou de metal, assim rola esse desejo de solitude que morre na solidão.

Carpe o caminho, sobe a franja, desaparece maldição. Cheio de si, carregado de grandiosidade, a pequenez se mantém, dura, afiada e pronta para qualquer fim que a vida disser. E mal se exprime, estática, levada de faltas, enforcada no centro do Tarot o que mais palpita, que tanto se diz de um coração que se esvai entre essa infelicidade brilhante, de camadas prontas. Vê alma sem voz, o som interno que nada pode dizer. Sol doado de queima abundante, corre para o fim das horas, move docemente destruindo sombras, fazendo nulidades, abrindo o dia e ceifando a si mesmo na noite que o encobre em sua passagem.

Sol: presente. E é essa quantidade de coisas que enfiamos pela goela, guardamos nos lugares inexatos, que serão jamais visto até que passe o fim e se pegue a calda do início. Tanto campinho sujo para se jogar bola, tanta gritaria e proibições, o desespero do dono da várzea: que alguém ria, que haja o gol naquele pó, que se possa ser feliz ao passar, driblar o ridículo das certezas. Que nunca aconteça nada, que o brinquedo não se abandone, que a solidão se entregue, faça um time e corra pelos buracos imundos da vida local.

Solidário com o solitário, o trem passa chacoteando a sua quantidade de mesmice. Não é suficiente o vazio a ser preenchido pela quantidade de um só. E se vai, parte mundo afora, carrega terras proibidas, momentos jamais permitidos, se alcança o fim do início, toda a solidão do cheio que o vazio está prenhe, carregado de possibilidades.

Jogar bola esse que se manda pela linha de fundo, esse que se joga do fim do mundo para o infinito do mesmo. Apenas um chute, a única medida de que se alcance viver. Ao menos uma porrada na bola do óbvio, e acompanhar o além de si a destruir o espaço-tempo, a teoria das cordas arrumadas na rede do campinho imaginário, e gritar o gol que a vida deixou. A solidão nos enche de todos os ausentes, das falas não ditas, de instantes descansados, e jamais é acaso de jogos, mas certezas do absoluto, do que pode ser, de que sempre foi a vida no momento do gol.

Pega o trecho, chuta o traseiro de quem não deixa o time vencer, que põe fogo no gramado, joga caliça para que de jeito algum possa essa gente solitária se juntar para viver sem motivo. Solidão, nossa única meta, o estado presumível de ser quem se é, na ação do grito que jamais se conclui, um soco no ar, o motivo do começo, o fim do engano.

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Bessie (in memoriam)

A mordida mais original que já tive de quem me amou e me protegeu com todos os dentes.

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