A respeito de Zeus

   
   Metamorfoseado, Zeus passeava no círculo comum da vida humana. Adivinhava o que viria a vir, o que se orquestrava no infinito, e fazia augúrios sobre a vida pessoal de cada um quem encontrava.                 
O dedo falou: quem você  é, quanto o que acha que pensa?
-  Estava a imaginar
-  Sonhador. Sonhador.
- Acordei
- Insolente, acha que vou aturar isso, acha?

Não imaginava assim a vida dos bichos. Olhei o pequeno monstro e me calei ante o turbilhão das arcadas, o vento forte, a indignada, trêmula e pavorosa sedição, a total e completa unha no mindinho carregada da fuligem, e o amedrontado tacanha medo de si.

Pensei que a coisa rugia por mal de estômago, quebraram algum brinquedo e estava desnorteado. Porém notei que faria dos seus pesares intestinais, o metro subterrâneo da fossa, o esgoto do seu consagrado templo. Vi que arrancaria a cabeça de qualquer outro, furaria na moleira e tomaria o cérebro com canudinho.

- Será que tem a ver com meus pés, a falta de sandália, exagerei na transformação?

Aceitei a sola no pescoço e o mucoso cuspe na cara. Comigo mesmo, ato professoral, de forma pausada, ferido e vivo pedi baixinho: pegue o raio da nuvem pesada e arrebenta essa estátua faminta de sangue, tacha na orelha do ventre. Mas, talvez o estranho mau cheiro dos mortais, pensei melhor. Vamos seguir Cronos, no bom momento vamos devorar o lagarto aquecido na grelha de Hefesto, esperei saber mais da vida pouca. Levante Poseidon, o mar. Trema a terra. Qualquer negócio para eliminar essa coisa carrascosa. Poderia ficar zangado, não fiquei. Chame a sua águia e se transforme no magma violento.

Tive de suportar a abrupta rapa do antro. Deu de ombros e foi ao convento, o lugar de seus iguais. Frente ao povo armado, eu me levantei, e me escondi numa choça e saí da forma finda de Tiresias e me tornei limpo e são.

Já haviam se dissipado, algum sangue, pedras atiradas, coisa que nem notei, que faziam de mim jogo de apostas. Andavam em marcham com os cabelos risonhos, a multidão estagnada naquele lugar, carregavam suas mercadorias. Viviam do aqui e quando, e comiam suas vestes, desnudando o ventre.

E vi a mais louca empedernida alma lustrosa, brilhante. Imediatamente me apaixonei. Abandonei minha vontade de exterminar a estupidez que deixou morto Tiresias, e dizer algo para aquele ser mais resplandescente. E me aproximei com cara nova, de felicidade nos olhos.

Mariane, vou contar que te amo. Amor prende, faz morrer a vida, até mesmo a liberdade.

- Mariane, vamos.

Está em mim os sentimentos verdadeiros. E ela no pacífico furor das crenças sem volta. Nem me ouviu, não me viu, passou com sua leva, seguindo carneirinhos e dispositivos até cair eternamente no precipício.

Nada a fazer, descer aos infernos ao fundo da queda?

Voltei sobre a carne do homem e fui ter com o ridículo. E o encontrei perseguindo seus interesses. E eram tantos que andava tonto, desequilibrado.

Dei uma surra no ordinário, e o abandonei na poça de um morto. E de despeito, foi carregado nos grilhões das vitrinas de confeitaria, e se tornou o que é ainda hoje. Múltiplo de mesma descendência, estranhamente mantido, alimentado e cuidado.

Talvez, pensando em Hermes, um tanto liberto no abandono, decidido, resolvi dar o fim a esse mundo que preserva o mal.

Cansei disso, não vou punir outra vez a Prometeu por sua crença nos homens, e nem vou perder meu eternal tempo com essas bestas que enfureceriam Ares, se ele, por acaso não ficasse pulando Dunas no planeta vermelho atacando o imaginário de inimigos. Mas é cômico demais, e não quero isso, estragar meu dia. Vou para o Olimpo cuidar de minha imperfeição.

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