Livraria café-teatro Mairiporã

 




        A temporada súbita de sonos, o delicioso despertar, a vida sem dormir. Arrastro de nuvens permanentes e o descompromisso porque se fechou a torneira, uma chantagem emocional do velho sadismo esquizofrênico que me permite o descompasso de ficar com sede, e melhor, sem banho.

        Queria menos a zoeira do outono da vida, queria viver sem banha. Mas aí está o abrupto, o policiamento em busca de alguém honesto para algum tipo de exemplo, bode expiatório da pujança negativa em que vivemos. Avisei a meu pai, não saia de casa. Ele nonagenário, sabe bem o que significa viver às escuras no deserto.

        Sadismo protegido, velhas crianças afortunadas com carteirinha de clube. Vou à livraria ver se como um pedaço de árvore, quero morder até a copa. Sentar-me lá à espera de um café. Aqui não se produz mais. Passo frente ao teatro descerrado. Alguém vem para um assalto, finjo conhecê-lo de alguma departição. Escorre pela viela em busca de bitucas. Corro ali no descanso que por acaso avisto do outro lado da esquina. Ao me verem, sentam-se todos no único banco.

        

        Estavam, naturalmente, combinados. É divertido isso. Não se tem dessa cocheira a menor chance para Herácles. Como gabinetes de rábulas, não se atende a pessoas com algumas idades. A cafeteria do Jango acabou. Há por ali, não sei onde, o misto de confeitaria e armarinhos, estranho. Tem desses que impedem a vida. Café Para Llevar. Cai fora. otário. Eles não precisam comprometerem-se em pintar de rosa escarlate e verde fumegante o ambiente, já te mandam carpir o asfalto.

        

        Fraudas, chego à triste conclusão que em Mal-Passo é a melhor estratégia. Num esforço chego ao prédio sujo e desabitado da universidade, não nela, depois do estacionamento há um livreiro extremamente grosseiro, irônico e sarcástico, pertence a uma casta de monstros mal-intencionados. Não é lá. Ao lado Charfin há um café escondido, pouca gente sabe, nos fundos um banheiro limpo, e do lado dos engradados junto ao depósito, existe uma mesa baronesa, atrás livros estranhos que vieram de autores assassinados por famosos editores, são desejos de recompensa. Aqui nessa Metrópolis se ganha na perda. E lá estavam a empréstimos e à venda. 

        Veio café e coxinhas de batata da terra com mandioca. Como estão as coisas? E me responde direto, fala tudo em uma linha só.

        

        Sem água, sem luz, caixinha para fardados, cinco por cento para o auditor mão-leve para aqueles que me obrigam a pôr esse quadro, vê? Honra ao Mérito. É obrigatório, ameaça velada. Se não fizer pára viatura aqui a comer de graça, vem um tal com conversas miúdas. O constrangimento, esse assédio vem.

        

        A Carmem, sabe a Carmem? Entraram, olharam, puseram um papel no balcão, um cassetete com sinal de perigo, cuspiram no chão, e pediram o ponto. Ela devia pôr umas cadeiras fora, música. Olharam na cara, sabe como é. Ofereceram jogos, desses para pegar os pequenos, sabe? Vem com brinquedos de pelúcia. A minha resistência é baixa. Logo vêm os amigos do alheio fazer uma vistoria. Logo voltam os de pijama, sem querer, ao acaso, entende? - Coação. Um pouco pior.

    

        Salvei um desses que proibiram entrar nos departamentos de segurança ideológica. Trouxe um poeta debatido nos braços, veio do cais. Escondido, sim. Não podia ser de outra maneira. Ia morrer. Falei para mudar de nome, inventar pseudônimo, dizer que foi sem querer, mudar para Barra do Garça, se esconder. Ficou aqui seis meses. Consegui que fosse num cargueiro para Matão. Finjo que aqui é uma loja de bebidas. Passam. Olham, cansam.


    Vou te contar. Procurei e não achei mais a Harpia. O Jango não aguentou, muito perto da corregedoria. Pena. Está bem agora, mudou para São Joãozinho, com a livraria. -Não diga! Eu mesma forneço o café. Busco lá nas Três Vendas, é um lugar matreiro, vai pela Subida do Chicão, antes de Vidigal, tem um depósito lá do Lusca, lembra? - O Luís Vieira. Ele. - Como fazem? Trazem o café e os livros, e amoitam perto do rio catingueiro. - Poxa!

        

        Muito texto de autores árabes, o Servino montou uma editora para quem-quiser escondido lá. - Não diga! Tenho russos, chinêses, o Akashi integral somali, trilíngue, tradução do Carlão. - Está em Beira Rio? Está. Passou à unha vários para o espanhol e francês, ninguém o pegou. Acho que se distraíram ganhando prêmios, tipo editor do ano, essas mentiras. - Sorte. 


    Falta água nesse brejo. Fiz um frack e me livrei. - Eletricidade? Turbina Rio-esgoto, uso o rio sujo. - Muito boas novidades! Mas não aguento mais.

        

        Vou para Mairiporã, falei para o Carmo. Não precisamos sofrer mais. - E o pedágio? Pois é. Vendi o Gordini, guardei uns réis. Passamos na boca da noite. - Cuidado é pouco, bom café, Joana. Obrigado. 


    Peguei meu eletrocutor, gás-pimenta e voltei para casa. Vou falar para papai, pode ser que trocando a casa por passes, talvez possamos fugir pelo Iguaçu.

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