Sineta
Ontem tocaram a sineta às seis da manhã. Estava nos fundos do quintal. Atravessei a touceira de bambu e vi na garagem um trombudo jipe imundo com dois assentos. Estranho. Um senhor rechonchudo de macacão azul sorria para mim. Bom dia. Era como se me conhecesse a vinte mais anos. Vinte mais, pensei.
Perguntei o que necessitava.
Passou-me uma caderneta. Assine aqui. A conta do leite. A rua estava destruída, não havia mais asfalto. Uma trilha de capim macega. A charrete, os cavalos luminosos.
Estava sem vizinhos.
Eu o paguei, ali, de cara com uma floreira de capuchinhos lilases.
Olhei a casa como que nada.
Não dei bola à nada e voltei ao jardim.
Devo estar dormindo. Estou num sonho. Não tenho vizinhos. Acho que vou até ao fundo do terreno e chamar o Marte, abrirei o portão, passearei pelo sítio. Vou à cabana do Zerto. Tomarei café, nem direi nada, passarei longe do canil.
Não há portão, nem cachorro.
Acho que passei por mim.
Vou devagar para não me despertar. Assim é melhor, muito melhor a vida. Sinto um bafo quente, um peso na altura do estômago.
Netuno!
Despertei.
#######