Nada, como estar entre a gente

 



Voltando de qualquer lugar, como que nunca tivesse saído. Um certo mal-estar  que arrepia a pele que recobre os ossos. O nojo na garganta, uma remessa fechada do estômago. Voltou o frio, um ventinho bom, aquela sensação que logo chove, alguém vai berrar contigo ou fazer cara de estrutura governamental, vai dar um salto `a sua frente, e, com uma flanelinha dessas de posto de gasolina vai polir pedras pintadas de branco ou escarrar a alma ali mesmo. Não é a cidade, o lugar de novidades e interesses, e nem nada, acho. Vai ver que nem-isso. Dá um certo frio no estômago como que tivesse invadindo uma reunião secreta de uma facção armada e uniformizada.

    Olhos sombrios que riem mostrando os dentes,  um olá que se ouve com o peso do sarcasmo, de uma ironia a respeito de um pertencimento de ordem familiar de grupos coesos usando máscara frente a um banco. Mas estão na igreja, no restaurante. Há sempre uma promessa sexual, uma tosse no ar que mostra os seios da garganta. Conversa-se com inimigos. Há uma inclinação pessoal muito forte na busca de desviar de uma provável facada.

   Janelas fechadas, ares feitos de palavras ríspidas e quentes. A cidade com os que passam, com os que aguardam morrer. Todos visitam a morte, algo comum. A morte deitada pelas ruas comendo empregos perdidos, ocupando lugares e pondo tudo em ordem, com regras claras para que ninguém esqueça da importância da regra, da etiqueta, da submissão. Cada um com uma coisa que chuta, algo que empurra, corta, afivela, explode, sonoriza a pele que disseca, que sangra, prende, num tempo todo sem tudo.

    Os caminhos feitos de rodas, o andar desequilibrado sobre a laje lisa, o abafado enrugado de um tombo, o trabalho infantil em cada esquina, bem planejado. As enchentes dominadas por canais que se estendem num vale de canos que giram as vertentes para outro lado, abrem valetas onde se enfiam manilhas engolindo o rio, o que foi rio, o que é esgoto. Um cheiro comum. Não se anda sem a vigilância, sem os velhos conhecidos bandidos que não estão registrados no templo.

    Algum lugar se senta,  e a não ser que se possua uma cadeira portátil, ou corra o risco de bancos enfastiados dos lugares perigosos, nos ambientes esquecidos, na guirnalda de esculturas de domínio, em donos, e dos méritos galoneados, nas ruas de Gal. Rua de Dep - alguma sigla de governo, um departamento. E depois alguém que embarga e desembarga, entra e sai, e o futebol. Sempre o futebol nas ruas. Rua Juiz - e quantos disseram aquelas palavras para eles.

    Ruas, vias, vielas, passagens, macedônias e servidões, encruzo, veredas, assim as travadas, as ruas sem-entrada, e as sem-saída, os becos, as aléias, sendeiro, as passarelas, rua oficial, rua segunda, comunicações e têm as cercanias, atalhos ou calimbas, descidas de trilho, carreadores, as mortas, passo, acesso e trajetos, avenidas, estradas, rodovias, sinuosas, laterais, os carreiros, terminais, atalhos, rua cortada, picada, e as alamedas - sem álamos ou cheias de Alá que, em medas se estende dando ou pedindo paz para outros caminhos.

    Seguem todas a sinuosidade dos rios e das minas, das encostas dos barrancos, e que se endireita na pedra, no cimento, no pixe e faz vazar as gentes que correm quase a andar ruim em desbaratada feira, e se vai para um certo lugar por onde entram e atacam de palavras feias o que mais desejam e correm, dessa vez voam para casa no carrossel, sem que nada, nem cheirar o sovaco, deitar lágrimas ou suores.

E se juntam na separação, unido vazios, esgar de seriedade de um autoritarismo bem-feito, limpando quintais, catando folhas, passando sabão na via, lavando, espumando um gosto de polir, lavar a coisa, enxugar os tocos, ajeitar os copos na prateleira na expectativa de que qualquer ausente que se ressente apareça, os belos motivos dos ladrilhos, o brilho tocante com agua fervida e cloro, um verde de cheiro que faz ser pinho soda, um banho na soda, o gosto amargo da bebida e a impregnação do álcool e querosene, creolina, as calhas,  se faz com cotonete, com buchas, e os canos amarelos se raspa, o anil das roupas impecáveis voando de para-quedas no varal, e a relva densa e a colherinha e o cortador de cutículas, a tesourinha de picotar as densas pragas arrumadas, cuidadas, enlatadas, postas no saco com velcro, o desfile arrumado do que se faz reciclável e o que não.

Amizade com a pobre dor dos que passam em um cumprimento sem chapéu, e aquela extensão dos dias dormidos, capa-de-chuva para a lama, para a poça-de-água, um riso metálico de carne enferrujada e ossos esmaltados repostos, e a pedalada de tudo, carvão pego com luva e alicate especial dobrável, limpar o incinerador de cadáveres no spray químico, entrar dentro se possível de macacão impermeável, tirar aquelas lembranças mortas de uma vida morta, e a grelha onde se deita o holocausto, mais demorado, deixar de um dia a outro no bicarbonato, e usar de todas as laminas e pontas, preparar, esperar deliciosamente o amanha limpo, o amanha sem medo de errar, o erro o comera vivo, não, o dia seguinte o que esta alem do dia.

Comprar os mantimentos, o que mais for necessario para deixar no vinagrete, boas gotas escondidas de suco de mamão, o alumínio lustroso, o lado certo, as frutas, os doces, o excelente narcótico da maionese feita de batatas com tomate e cebolas flutuantes, o sal a goto para se beber mais o refresco, o açúcar, o refrigerante, a bebida espumosa, amarela, bastante carboidrato, e as fortes com nomes de falsa fama, as que queimas, as que parecem sorvete derretido, o sorvete e os cremes, as sobremesas de gorduras lácteas.

Fazer o passeio com os pratos até a lavanderia, colocar em bacias no álcool e o neutro sabão especial, e álcool outra vez, papel de limpeza, secar, distribuir nos lugares de honra, amontoar os demais, um sinal de diferenças de classe e de interesses monetários futuros, correr saber o que gostam, selecionar as musicas, chamar uma banda para que ninguém faca algazarra, acabou-acabou, a festa terminou, e pronto.  

Mostrar bem a coleção de selos, de propaganda, de fotografias, a máquina importará em destaque, o tapete de ocasião para a ocasião, treinar risadas frente ao espelho, decorar um canção, e dizer que tudo esta certo que se faz junto o futuro, amanhã virão e pronto.  

A vida no contrato com um parabéns forte, de fundo.

A vila, o povoado, patrimônio, distrito, ajuntamento, tribo, a metropole, a gigante fila dos que vão morrer, amanha, a cidade, e eles de maos distantes, de vozes colocadas, gritadas. E se ouve o que falam, não se entende o que dizem, e se sabe do que dizem. O lixo que some, sacos arrumados com fitas, e o que vai sem volta. O buraco no fundo do quintal que atravessa o planeta, a morte dos passarinhos, o doce desencanto, sem salvação.  

    As coisas desaparecidas, o Mercado do Peixinho, a Quina do Descanso, a Gruta da Pizza, Sorveteria Fin D’amore, Ao Látigo que vendia cerveja em canecas de vidro e madeira e porcelanas, a Casa Bastião que fazia parafusos e vendia pregos, a loja de Coisas e Coisinhas, Trecos e Marrecos, a Pharmácia Sentimental, o Café Astral que lia búzios, o Bar Fuligem, Restaurante Alquimenes, a Seresteira dos Botões e Armarinhos, Venda da Compota, Secos e Molhados da Viramão na rua Obrigada, Casa de Tango e Samba, onde havia salada de frutas e cachaça e se dançava até o amanhecer, a Padaria Dieberg, Louza Portuguesa, Roda de Sardinhas de especiarias, Bella Culpa, um vistoso bordel, e desapareceu também a praça da Matriz dos Tecidos e grande parte da população nativa. 

    Cresceu. É o progresso. Á multidão de compras. As boas lonjuras sinalizam as mudanças. Bonitas diferenças, e tristes igualdades em carros parecidos. A democracia veio para ficar, está lá em casa dormindo no guarda-roupas com uniforme militar de gala. Gente para lá e para cá no baile sem trombetas do capital, muita coisa se mexendo nas mãos, os novos proprietários tomando tamanho, ganhando nuvens de algodão doce. Tem tanta rua,  não dá mais para assistir futebol. Um prédio já caminhou até a mata, e se extinguiu as distâncias de tão perto é o desenvolvimento.

O desenho é dos anos passados, antes da guerra, mas sem curvas e com colunas colossais de resina com nomes de condomínio, tudo estrangeiro e chique. Moro no Montygoomer, e eu no Alais Décor, e na Moonmartere mora a Chiquita, e no Cavalier Sans Gome está o doutor com aquela penca.

    O feio da cidade nem aparece, se põe as formas armadas para pinçar fogo em quem atravessar, sem mendigos, sem pobres, sem pobreza, sem mel e sem o favo, sem favela, sem melzinho, e sem tristeza, todo mundo ri, e é de uma risada enlutada, de quem ganhou herança gorda. Papel crepom acabou, agora enfeitam os cantos e recantos nos dias de luzes e nos dias sem luzes com sinais, avisos de não-se-aproxime, com correias de fio elétrico nas muralhas, e gradis, e não se põe mais vidro de garrafas, agora é um arame farpado leve, leitor eletrônico, coisas automáticas, guarda pessoal, faróis, faroletes de mira, luzinhas, avisos, alarmas, sirenas berrando, e microfones para se ouvir o que os outros fazem, e câmaras que filmam e dominam territórios. Alguém fala. Pronto, está denunciado. E logo vem a prensa, e pronto. Olhos pelas janelas, olhos por todos os cantos, gente buscando mexer com o quieto, fuçar na palha, tostar batata de intenções, comer do virado, surrupiar qualquer  paz, nada pode ficar parado na grandiosidade estática que se estica e engole o campo.

    Indo para qualquer lugar, a falta de um regra, algo que possa ser proibido, e ficamos assustados de medo com o teatro de falas, e de gente que move o quadril no tablado, operam árias e coros musicais, deformam a ordem das coisas, e galerias compridas, até opiniões se vê. É apavorante, os que são contra qualquer coisa não são perseguidos, mortos ou apedrejados. O apavorante das viagens é, de entrada, de viela ver uns poetas conversando, - eles não pediram permissão por escrito -, e isso dá um mal no vertebral, e não há estrada, nem uma servidão para se escapar. Aquela povoada sem motivo, lendo, e uma paz que engasga, aquilo fere, bancos de jardim pelas ruas, o cheiro horrível de café importado, um gosto no ar de rios que passam com pouca onda. Medo.

    Enfim, o retorno, a revista, a nudez completa até a completa certeza de que acreditamos nisso tudo que se chama, se chama e se chama, e se pode ir para o lugar novamente, fechar as cortinas, jogar remédio para que ferros cresçam sem bronzinas, chamar o atualizador da segurança, dormir pouco porque amanhã o trabalho não clama, vem. E por fogo nas roupas velhas, dar o fim. E ficar aqui, no fim. Ouço um grito e já me dá uma sensação de autoritária vida, de mãos entrando pela janela, de olhos escorrendo vivos pelo jardim. E nem há jardim, esse negócio não dá lucro, nem compensa, e se cansa. E vou dar uma volta, ponho máscara.

    Que alegria interna, não demonstro. Vou correr, desembestar pelas vias, trabalhar, trabalhar sem parar, comprar enlouquecidamente, caminhar pelo despenhadeiro das macedônias, e chegar ao vazio delicioso das alamedas.


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