A bola de plástico colorida





     Eu passo em frente da casa e vejo no jardim sem cercas uma bola de plástico colorida, não era muito grande, aquilo me dá agonia. Como se fosse explodir, ou perder sua inteireza, murchando, tornando-se nada mais que abandono obscuro do que poderia ter sido, e não foi, minha imaginação diz que sim. As cores são vibrantes, ela inteira.

    E no dia seguinte retorno pelo mesmo caminho e a vejo, cabelos soltos com uma jardineira de jeans, um riso de boca aberta jogando a bola para o ar e a pegando novamente para em seguida repetir, jogar, e se levitar no ar. Eu a vejo envolta na bola, abraçada nas cores de geléia, no açúcar da gelatina, subindo e descendo a ponto de me causar medo, que fosse perder-se, subir sem retorno, de cair no fundo obscuro do gramado, de voltar do meio dos arbustos com a cara mudada em prantos.

    E retorno quase noite para ver novamente o que já sabia, a bola flutuando no ar, a menina deitada na bola feito um caracol. Pensei em sentar ali junto às pedras pintadas e esperar. Logo cresce, logo se torna uma mulher, logo a bola a rola, a modifica, a faz menos atormentada, com menos segredos, com mais viva originalidade de um ser. E isso acontece à minha frente.

    Passo novamente e outra vez, e vou ficando, ainda na mesma idade, aguardando o milagre de eu me apaixonar por alguém da minha idade, que pudesse subir e girar sobre uma bola, de voar no espaço, e de dançar, e de correr sem cansar, e de dizer, olá. Eu ouço esse olá, agora passados anos, vejo da janela a minha namorada deitada, recosta à mesma bola, colada feito chiclete na beleza apavorante das cores, os pés para cima, a bola para baixo, a cabeça no alto, o corpo pendurado, a volta dos dias, a bola do tempo, a passagem da infância ao indefinido agora, cheio de nuances de doces e frutas, de perfume, de formas molengas e calmas, e ela vem para dentro para dizer que vamos sair.

    Já somos antigos, podemos partir por aí, e abandonar o tempo, o girar estonteante de uma bola no jardim. E vamos, e onde vamos estou perto e estou distante, nos meus pés rola um chute, um desejo de um gol, a girada, a cesta, o volei, as formas comuns tão artificiais, as horas das mesmas coisas com a surpresa do instante. E ela me dá um beijo e eu rolo, eu corro o gramado de nossos dias, calmo em todas as cores. É estranho amar, ter o milagre do encontro. Algo de infância que revejo ali, frente a mim, dizendo coisas, falando comigo. Eu a vejo todos os dias, e não sei que bola será a minha vez de dizer amor. Digo tanto, escorregado no canto, e nem sei quanto, mas em meu silêncio.

    Como isso pode, penso sempre, alguém se perder e de repente olhar a mulher ao seu lado, e saber que nada está longe, que tudo gira no amar e no encanto.

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Livros de Pedro





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