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Mostrando postagens de abril, 2024

Palavras a Completar de Mamãe

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Palavras a Completar de Mamãe   Mãe não é fácil, igual a minha: ela cria uma lista de compras acompanhadas de frases a respeito de suas vontades, gostos, desejos.      Acontecia durante passeios, momentos de encontros familiares.      Suas pequenas exigências, como que mover o campo e semear, fazer florescer.      Deixava ao acaso, digamos, no assento do carro, no bolso de meu casaco, e, especialmente quando me visitava, como marcador de um livro, na fruteira dando sempre a intensão do acaso.      Resultava que sempre estava provida de tudo quanto necessitava. Com isso íamos mais vezes às livrarias, adorava os sebos, trazia na bolsa um pedaço de qualquer coisa e mimava os gatos e cães que haviam entre pilhas de livros, recostados em um tapete.       Fazia obstinadas trocas, exigia pechinchas. Frequentávamos o teatro. Havia repertórios, dramas, clássicos, comédia, amava.       Claro q...

Entrada

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   Poderá entrar quando ela não estiver à porta. Entre devagar porque poderá surgir atrás da cortina da sala. Mas venha com calma e não traga outra esperança de nos encontrarmos. Ponha bom perfume, aquele que gosta, assim irremediavelmente disfarçará, e qualquer manifestação será imediata.      Teme o desconhecido, o invasor iluminado. Ao abrir o portão faça ranhar as dobradiças, duas, três vezes. Se ela surgir repentinamente, - dará tempo de me despejar bom sentimento. Use algo à cabeça, bem provocativo.      Verá que o salto que der em sua direção demorará um pouco mais. O suficiente para que se encerre no mundo externo. Venha com a roupa que desejar, mas use botas. Dessas que seguem a quase joelho. Não deixe de entrar, fale alto e chame o meu nome. Sinal de alarme e batidas de palmas ajudam. Se notar a ausência corra à porta que abro em seguida. Poucos degraus e suficiente.       Antes de me abraçar olhe ao redor. Pode causar...

A bola de plástico colorida

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       Eu passo em frente da casa e vejo no jardim sem cercas uma bola de plástico colorida, não era muito grande, aquilo me dá agonia. Como se fosse explodir, ou perder sua inteireza, murchando, tornando-se nada mais que abandono obscuro do que poderia ter sido, e não foi, minha imaginação diz que sim. As cores são vibrantes, ela inteira.      E no dia seguinte retorno pelo mesmo caminho e a vejo, cabelos soltos com uma jardineira de jeans, um riso de boca aberta jogando a bola para o ar e a pegando novamente para em seguida repetir, jogar, e se levitar no ar. Eu a vejo envolta na bola, abraçada nas cores de geléia, no açúcar da gelatina, subindo e descendo a ponto de me causar medo, que fosse perder-se, subir sem retorno, de cair no fundo obscuro do gramado, de voltar do meio dos arbustos com a cara mudada em prantos.      E retorno quase noite para ver novamente o que já sabia, a bola flutuando no ar, a menina deitada na bola feito um...

Clientes amigos

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  Não sei, não posso dizer muita coisa. Estava conversando comigo mesmo, carregando meu carrinho de mão com a escultura de isopor de letras: eu. Não pude me perceber que eu estava pensando errado. Converso comigo para me solucionar, nem sempre é possível se entender.  Meus clientes amigos moram bem. Não conversam, mandam recado, eu prefiro dinheiro, mas custa tirar deles. Só caboco deitado. A grana vem pela torneira. Inundação. Quando chove lá, a gente deve entrar em casa por causa do peso das moedas que caem. Vivem sufocados; chove muito pó de prata.  O sol de ouro escorre lá. Fogem para lugares mais sombrios. Eles têm medo da incrustação social. Perderam muitos familiares que viraram estátua de ouro. As noites de lua. A lua é uma moeda divina. Temem que despenque do céu. Que Deus os ajude, jogue a moeda para curar suas vidas miseráveis. São gente da pedra, dentes de peixe, transparentes. Olhos de diamantes. Pele rubi no verão. Cara de topázio. São de ônix e de outras tr...