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Roubaram o meu tempo

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Roubaram o meu tempo Pedro Moreira Nt Mataram meu tempo, não fui eu, estava no passatempo; algo que se ganha tempo. E não foi o big-ben que querem carregar no pulso, não foram os passos do soldado frente a evidência do crime e da morte certa,  não foi a corrupção, a vizinha que tem o hábito de soltar o cão para cavoucar o quintal, e também, juro, não foi. Levaram meu tempo para a escola. Levaram amarrado. Depositaram no trabalho, depois disso, quando não havia mais tempo para dizer parem, calem a boca, deixa o tempo passar, deixe-o em paz, enfiaram-no em uma mala e o puseram em um passaporte sujo, e o empurraram pelo país. Eu tentei falar, tentei gritar na cara dos uniformizados risonhos. Disse-lhes qualquer coisa que vagou no tempo perdido. Eles, esses de sempre que andam com cara de eu posso você não, tipo temperamental, esses todos me disseram: Não entendo. Não posso atender o seu pedido, procure na outra secção se tiver tempo. Haveria um tempinho para me ouvir? Não tenho te

A morte do ator

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A morte do ator  Pedro Moreira Nt Janilson você está errado. Não estou. O menino podia melhorar, sei lá. Melhorar. Sim, melhorar. Ele estava doente? Não é isso. É a vida dele, ninguém tem direito. E ele tem direito de entrar aqui, nesse lugar com aquela voz ruim, emoção grudada na garganta, sem pés nem mãos, dançando um passo para lá e para cá buscando o chão, enfiando a porra da mão sabe lá onde. Engraçado você, parece que nunca começou nada. Não mesmo, não sou ator. Se fosse não participaria de uma companhia de improvisação como garantia segura de pleno analfabetismo. Você está defendendo o autor. Confunde. O ator é o autor encontrado. Autor não é quem autor-iza. A obra de teatro é um arcabouço com múltiplas determinações, agora, trabalho coletivo que mesmo só pode se o que é com o que tem, nada. Manipulados, essa gente de cena faz uma estética repetitiva. Já vi isso na rua, naquela terra velha que usa a juventude para um desejo secundário, de ne

Não é calor, é a coisa da cidade.

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Não é calor, é a coisa da cidade Pedro Moreira Nt Não é calor, é a coisa da cidade. Acho que é um arranjo entre políticos que querem se manter no esquema. Eles trazem esse frio, esse bafo úmido de gelo para o meu descanso. Não, é muita teoria de conspiração. Burrice tem outro nome, viver aqui. Viver na certeza que amanhã todo mundo vai estar de cara amarrada pensando em enganar alguém. Eles se enganam. Ontem foi calor do cão, e em alguns dias o satã vai parar de ameaçar e vai atuar. Mas é assim, um dia de desgosto com outro pior. Naquele dia foi horrível, ganhei a causa de meus interesses com a parceira. Não chamo de a amada porque não amo mesmo. Nunca amei e acho que não tenho vocação para perder meu tempo à toa. Estava frio, e era verão, assim mesmo, entre cobertores, feito sanduíche, sentia aquele frio na espinha. Havia esquecido algo.  Todo mundo me chama de  cafajeste só porque sou filho da puta com os meus amigos e empregados. Com a família não, nunca, que nem falo com e

What's clinic position?

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What's clinic position?  PMNT

Era ele

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Era ele Pedro Moreira Nt Estava no shopping. Ouviu uma voz desconhecida dizendo: eu-não-acredito. Aquele que se diz estufando os peitos, com cara boçal e braços pendurados no ar com a boca tremelicando. Era claro que zarpar significava pular fora o mais rápido possível. Podia ser ele. Ele, sabe, aquele vizinho de vinte anos atrás. Era um tarado por abacaxi. Seria ele. Com certeza era. Naqueles micro-segundos passou um trem bala. Está me confundindo, pensou olhando do último vagão aquela natureza morta. Foi tão rápido, tudo que viu, a cara ainda não conformada no ar bafento do shopping. Tudo pensamento, imagem. A confundiria com um ananás escamoso com coroa de espinhos. Não era alta. Ananás. Aquela coisa grudada, um chapéu duro e seco. Amarelada, um tanto verde e desenhos de estrelas. Fora isso a doçura de um domingo com a acidez de sempre. A velocidade de um abacaxi para fugir do caos é um tropeço no carrinho de supermercado, quase impossível. Daí ouço: Nã