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O ridículo em ser maltratado

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  Só quem foi torturado sabe disso. o ridículo é algo que não está na vítima do assédio, mas na avaliação entre o sofrimento e a tortura. O ridículo sobrecai nos valores, em algum sentimento humano reconhecível, passível de ser percebido que escapa à agressão como posição. O ridículo, o vexame que o outro passa devido a agressividade de alguém, é um sentimento universal de culturas e valores morais que são exigidos, retirados, definidos, contrários. Só a vergonha pública que alguém possa sentir representa, na própria humilhação o tamanho, a medida dos valores socioculturais, de uma ética que aflige, atua, se manifesta. Seja quem for, culpado ou inocente, a vergonha sentida é apenas uma avaliação emocional de uma racionalidade habituada. Quando os hábitos morais, mesmo em sua morosidade, se definem como novos, pode destruir quem o avalia na experiencia da vergonha. Passar vergonha é estar eleito como contrário aos hábitos e aos valores, ao sentimento de integridade de constituição de um

Palavras a Completar de Mamãe

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Palavras a Completar de Mamãe   Mãe não é fácil, igual a minha: ela cria uma lista de compras acompanhadas de frases a respeito de suas vontades, gostos, desejos.      Acontecia durante passeios, momentos de encontros familiares.      Suas pequenas exigências, como que mover o campo e semear, fazer florescer.      Deixava ao acaso, digamos, no assento do carro, no bolso de meu casaco, e, especialmente quando me visitava, como marcador de um livro, na fruteira dando sempre a intensão do acaso.      Resultava que sempre estava provida de tudo quanto necessitava. Com isso íamos mais vezes às livrarias, adorava os sebos, trazia na bolsa um pedaço de qualquer coisa e mimava os gatos e cães que haviam entre pilhas de livros, recostados em um tapete.       Fazia obstinadas trocas, exigia pechinchas. Frequentávamos o teatro. Havia repertórios, dramas, clássicos, comédia, amava.       Claro que vez e outra a um café concerto. Circo jamais perdemos um.       Ópera era difícil, íamos ao aeroporto

Entrada

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   Poderá entrar quando ela não estiver à porta. Entre devagar porque poderá surgir atrás da cortina da sala. Mas venha com calma e não traga outra esperança de nos encontrarmos. Ponha bom perfume, aquele que gosta, assim irremediavelmente disfarçará, e qualquer manifestação será imediata.      Teme o desconhecido, o invasor iluminado. Ao abrir o portão faça ranhar as dobradiças, duas, três vezes. Se ela surgir repentinamente, - dará tempo de me despejar bom sentimento. Use algo à cabeça, bem provocativo.      Verá que o salto que der em sua direção demorará um pouco mais. O suficiente para que se encerre no mundo externo. Venha com a roupa que desejar, mas use botas. Dessas que seguem a quase joelho. Não deixe de entrar, fale alto e chame o meu nome. Sinal de alarme e batidas de palmas ajudam. Se notar a ausência corra à porta que abro em seguida. Poucos degraus e suficiente.       Antes de me abraçar olhe ao redor. Pode causar ciúmes. Pouco se acostuma ao amor estrangeiro. Se me

A bola de plástico colorida

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       Eu passo em frente da casa e vejo no jardim sem cercas uma bola de plástico colorida, não era muito grande, aquilo me dá agonia. Como se fosse explodir, ou perder sua inteireza, murchando, tornando-se nada mais que abandono obscuro do que poderia ter sido, e não foi, minha imaginação diz que sim. As cores são vibrantes, ela inteira.      E no dia seguinte retorno pelo mesmo caminho e a vejo, cabelos soltos com uma jardineira de jeans, um riso de boca aberta jogando a bola para o ar e a pegando novamente para em seguida repetir, jogar, e se levitar no ar. Eu a vejo envolta na bola, abraçada nas cores de geléia, no açúcar da gelatina, subindo e descendo a ponto de me causar medo, que fosse perder-se, subir sem retorno, de cair no fundo obscuro do gramado, de voltar do meio dos arbustos com a cara mudada em prantos.      E retorno quase noite para ver novamente o que já sabia, a bola flutuando no ar, a menina deitada na bola feito um caracol. Pensei em sentar ali junto às pedras pi

Clientes amigos

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  Não sei, não posso dizer muita coisa. Estava conversando comigo mesmo, carregando meu carrinho de mão com a escultura de isopor de letras: eu. Não pude me perceber que eu estava pensando errado. Converso comigo para me solucionar, nem sempre é possível se entender.  Meus clientes amigos moram bem. Não conversam, mandam recado, eu prefiro dinheiro, mas custa tirar deles. Só caboco deitado. A grana vem pela torneira. Inundação. Quando chove lá, a gente deve entrar em casa por causa do peso das moedas que caem. Vivem sufocados; chove muito pó de prata.  O sol de ouro escorre lá. Fogem para lugares mais sombrios. Eles têm medo da incrustação social. Perderam muitos familiares que viraram estátua de ouro. As noites de lua. A lua é uma moeda divina. Temem que despenque do céu. Que Deus os ajude, jogue a moeda para curar suas vidas miseráveis. São gente da pedra, dentes de peixe, transparentes. Olhos de diamantes. Pele rubi no verão. Cara de topázio. São de ônix e de outras tribos. Foram tr

Se tivesse de contar quanto desamei

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  Se tivesse de contar quanto desamei Deixei as roseiras crestarem no frio abandonei por três horas o meu sossego para ficar catucando pragas do jardim Não telefonei e nem atendi ao telefone e nem livrei a metade do discurso sobre construção revi páginas sem motivo e pulei figuras para achar vozes fora isso às ausências: dormi mais tempo perdendo o início do dia - que nem me importo Cansei de ser correto quando entrei na contramão - foi engano Atendi ao cobrador; o que é uma perda Poderia dizer qualquer coisa porque estou cheio Vejo o som do piano desafinado o meu batuque esticado Passar a rever o revisto retomar o refeito refazer o feito Reter a gelatina trêmula Congelar o frio com o maior calor do desperdício Gastar o que não existe no caixa Correr até disparar o coração Ir pescar sem porquê Morrer sem tédio uma alegria triste que é rir sem mostrar a face E desamar é quase esquecer a vida correr à toa sem compromisso como agora derramar palavras ******* Livraria: Livros e contos de

Plástico sem assunto

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  Estava frio, Mas era pouco. Na verdade o sol ensolarado, mas aquela sensação de quase fim-de-semana, um dia raso. Recebi o recado. Fomos. Era um nada, conversa de passado. A casa naquela distância; havia tempo, motivo, e mais a mais. A varanda alta, o jardim escondido no meio das flores, ou era isso. Sentamos, limonada por causa de um calor prometido. Rimos, lembramos aquilo que não aconteceu. - Engenheiro arquiteto, então, não sabia. - Era engenheiro-arquiteto, depois da lei, a gente é da arte, a gente faz design, repete, reproduz. - Mas a casa. - A casa fiz na unha. Escada leve com descanso. - Corrimão. - Pedi as medidas por causo da sogra. Idosa. - Bacana. - Ela me odeia. - Mas então. - Para não cair. - E te odeia. - Sou feliz, quero que dure. Piadas de sogra não vale. A filha do coveiro casou com o morto. A sogra, magra, só ossos. Essas coisas. O banheiro de entrada, chama lavabo. A sala ampla, cabe dois de cauda e umas trinta tubas. Tinha me dito que "ela" não entra se