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Se tivesse de contar quanto desamei

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  Se tivesse de contar quanto desamei Deixei as roseiras crestarem no frio abandonei por três horas o meu sossego para ficar catucando pragas do jardim Não telefonei e nem atendi ao telefone e nem livrei a metade do discurso sobre construção revi páginas sem motivo e pulei figuras para achar vozes fora isso às ausências: dormi mais tempo perdendo o início do dia - que nem me importo Cansei de ser correto quando entrei na contramão - foi engano Atendi ao cobrador; o que é uma perda Poderia dizer qualquer coisa porque estou cheio Vejo o som do piano desafinado o meu batuque esticado Passar a rever o revisto retomar o refeito refazer o feito Reter a gelatina trêmula Congelar o frio com o maior calor do desperdício Gastar o que não existe no caixa Correr até disparar o coração Ir pescar sem porquê Morrer sem tédio uma alegria triste que é rir sem mostrar a face E desamar é quase esquecer a vida correr à toa sem compromisso como agora derramar palavras ******* Livraria: Livros e contos de

Plástico sem assunto

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  Estava frio, Mas era pouco. Na verdade o sol ensolarado, mas aquela sensação de quase fim-de-semana, um dia raso. Recebi o recado. Fomos. Era um nada, conversa de passado. A casa naquela distância; havia tempo, motivo, e mais a mais. A varanda alta, o jardim escondido no meio das flores, ou era isso. Sentamos, limonada por causa de um calor prometido. Rimos, lembramos aquilo que não aconteceu. - Engenheiro arquiteto, então, não sabia. - Era engenheiro-arquiteto, depois da lei, a gente é da arte, a gente faz design, repete, reproduz. - Mas a casa. - A casa fiz na unha. Escada leve com descanso. - Corrimão. - Pedi as medidas por causo da sogra. Idosa. - Bacana. - Ela me odeia. - Mas então. - Para não cair. - E te odeia. - Sou feliz, quero que dure. Piadas de sogra não vale. A filha do coveiro casou com o morto. A sogra, magra, só ossos. Essas coisas. O banheiro de entrada, chama lavabo. A sala ampla, cabe dois de cauda e umas trinta tubas. Tinha me dito que "ela" não entra se

Nada, como estar entre a gente

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  Voltando de qualquer lugar, como que nunca tivesse saído. Um certo mal-estar  que arrepia a pele que recobre os ossos. O nojo na garganta, uma remessa fechada do estômago. Voltou o frio, um ventinho bom, aquela sensação que logo chove, alguém vai berrar contigo ou fazer cara de estrutura governamental, vai dar um salto `a sua frente, e, com uma flanelinha dessas de posto de gasolina vai polir pedras pintadas de branco ou escarrar a alma ali mesmo. Não é a cidade, o lugar de novidades e interesses, e nem nada, acho. Vai ver que nem-isso. Dá um certo frio no estômago como que tivesse invadindo uma reunião secreta de uma facção armada e uniformizada.     Olhos sombrios que riem mostrando os dentes,  um olá que se ouve com o peso do sarcasmo, de uma ironia a respeito de um pertencimento de ordem familiar de grupos coesos usando máscara frente a um banco. Mas estão na igreja, no restaurante. Há sempre uma promessa sexual, uma tosse no ar que mostra os seios da garganta. Conversa-se com in

Nota de esquecimento

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Nota de esquecimento:  A vila tinha seus infortúnios, a vila de vilões cheios de perigo, causava certa ameaça nos sentimentos, a gente ficava com a alma sentada, as noites mornas que matavam a claridade, qualquer bem. E se dizia que se amava quando não corria muito pavor, uma bebida amarga, dor de vida e desejo de esconderijo.      Marianize tinha os olhos inchados, graves, pesados, pareciam duas bocas abertas, vermelhas, sem dentes, profundas que quase falavam. Fugia do Japinho, que era como uma caixa de  pinho. Casada com ele no papel esticado na mesa de algum juiz distraído. A boca, como era linda. Parecia um olho imenso, vermelho, de íris de fundo escuro como um túnel, um fim de começo, uma voz de cílios de junco à beira de um lago, moventes, dolentes, leves e como bigornas escuras com verde farpado.      Gostava de mim, me achava boa pessoa. Olhava para mim como uma mãe que esqueceu de perder os nove meses incansáveis de espera interminável. Olhava atentamente como que um arrepen

E em casa

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     E fosse de tarde, dessas ôcas, iria pescar. Levar o cão à corrente do rio, fingir cansaço, café frio, pão guardado, dividir com o bicho minha alegria de viver. Apenas com ele, porque outro algum entenderia. Em casa outra vez e novamente cheio do não dito.           E voltaria para casa novamente, muito tarde, madrugada, de carona, o carro esquecido ao lado do teatro, deixado na rua do centro, e voltaria ao trabalho a pé, quanto fiz disso, para ter a sorte de encontrá-lo e sair para dar uma volta a fim de perder o esquecimento.           E cantaria à tarde, massacraria o piano, apitaria as cornetas, riscaria o ar com flautas a machucar ouvidos duros, assim com tomaria banho outra vez na chuva e me deitaria no jardim sem ouvir nada mais que a voz das nuvens. Estou em casa, um silêncio que bate às paredes, ninguém que ouve o que digo houve.           E faria tudo de novo, com a mesma alegria que tive. Todo o meu bem estar que me roubaram. Em casa, tarde, fome, como um prego, pão com