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O vestido do salto alto

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O vestido do salto alto Pedro Moreira Nt Havia se desfeito de um amor. Antes passara mais que cinco minutos frente à vitrina. Ela deixara filhos, amigos, desejos conturbados apenas por um vestido rosa e salpicado de miúdas flores de campo entrelaçadas, vivamente decoradas no ponto de um antigo e raro bordado.  Não era todo assim. Apenas uma parte dele era fincado de detalhes quase imperceptíveis no meio à estampa.  O vestido a seduzira. Todo um momento depois. Passou ligeira à loja de sapatos. Amava a sua coleção impossível.  Não podia o vestido, nem ele caberia ao lugar, à cultura da tradição de suas amigas. A marca era tudo. O vestido não era de marca. Elas eram marcadas desde a etiqueta. Os sonhos eram conjugados em um condomínio interno.  Esperava-se o porteiro abrir, esperava-se o cumprimento longo e chato, a notícia de algo chato e entrava-se no vestíbulo do pensamento, naquele lugar que as horas dançam e são pegas repentinamente no interesse, na coisa,

De tempo e rosas

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De tempo e rosas Pedro Moreira Nt Não tive tempo em dizer quanto me amava. Podia dizer, amo eu mesmo E havia aquela sem-cerimônia de amigos que abrem a geladeira. Uma vida.  Todos dizem.  Uma coisa brega como a mulher que põe a perna para fora da banheira e acham bonito.  Elegante. 
Essa história, sabe. A gente produz desgraças, mas também produz graças.  
Então resolvi naquela noite me formar em mim mesmo.
 No dia seguinte havia aquela reunião com pastéis quentes e oleosos.  O grude com borbulhas doces e bolinhos molengas de açúcar.
Lembrei quando colocou dois brigadeiros nos olhos.  A cegueira amontoada que não ouve alguém. 
Dois, dois de uma vez só e com uniforme. 
Todos casados com o vôo.
 Senão fosse amanhã hoje não teria sido Não que esperança Nem que tudo visse do que disse e fosse daqueles que de pétala caísse Gritava presente quando ausente Nem bandeira dormisse 
Se tivesse o que riss

Foi comida

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Foi comida                                                                     Pedro Moreira Nt Nessa marmita, o gosto mais profundo da beleza, que não é minha nem tua, mas nos pertence. Tem aí as palavras famintas que necessitam de tempero, de amores. E para isso, chega de interpretação, de subjuntivos, essas coisas. Esse tipo de comida humana é uma vingança contra a ordem, como se fosse possível seguir um sumário. Sinceramente tem-se duas opções antes de enfiar a colher na lata. – senão é plástico. Ou come-se frio a contrariedade ou se esquenta. Na desforra contra o óbvio a comida é servida ao natural, sem calor algum. Mas não podemos esquecer que também se aquece, um laboratório. Fogo, e a coisa. Daí é um outro tipo de vencimento. Parece salário, emprego e produtividade. Vingar também quer dizer pegar, fazer nascer do mau o bom, do bem o mal para ser mais lógico. O bom não é o cara que faz o bem. Há muitos deputados extremamente bons. Bondade para a família e pr

O seu desconhecido preferido

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O seu desconhecido preferido                                                                                                                                      Pedro Moreira Nt Ficar só é talvez a melhor coisa que pode acontecer para quem está sempre povoado de mundo. Vou explicar: se você lê, estuda, trabalha, faz curso disso e daquilo, sobe e desce, anda pela cidade sem parar fugindo do ônibus e pegando ônibus, ouvindo notícias, músicas, vendo TV, entrando no computador, conversando tantos assuntos, pode-se dizer que se está amarrotado de tanta gente na cabeça. Veja que essa quantidade de gente do cotidiano da vida toma tempo, engole o espaço, empurra. Puxa-se pra lá e pra cá - que se pensa cheio. Em verdade vazio, porque nada ancorou no fundo da alma. O dia ficou uma passagem feito um elevador carregado que começa cedo e vai até a noite para recomeçar. Dentro da pessoa parece haver um burburinho infinito, aquela falação com sons variados e imagens que não se fixa

Na ponte, Maria

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Na ponte, Maria Pedro Moreira Nt Todo mundo pensava que fosse possível o que de fato não poderia ser ainda mais por ser fatídico e trágico se acontecesse tal qual se podia pensar que fosse então pensado, oras. Ele a viu e ficou daquele jeito que ficam os camelos quando olham para o deserto cheio de dunas: nossa quanta gente lá. Olham e pensam camelando, duas sobre dunas, isso tudo é uma zona. Então, lembram-se cuspindo e querendo vomitar que terão de caminhar no meio daquilo tudo sem saber porque razão e os demais sem-sentidos possíveis que tem o trabalho na vida no ato evidente e sacal de camelar para nadas. E assim ele a viu como a promessa camelante de dunas sobredunas dobradas de paixões. E marcou. - Na ponte Maria. - Maria não, Alzira. - Tá bem Maria, na ponte. Ela sem entender o que quer que seja, vendo que o sujeito era o sujeito daquele jeito que são esses sujeitos, apostou, fezinha que não suportaria a ponte. Foi. Não para camelar que era esperta. Viu

Um dia entre eles

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Um dia entre eles Pedro Moreira Nt              Já deve ter ouvido aquela discussão que fazem panelas, pratos e talheres cantarem fino em uma reunião familiar de fim de semana, isso sem contar os copos e garrafas dançando na cara das pessoas, espatifando na parede.   A gente fica espantada como as toalhas de mesa que, aliás, agarram tábuas de mesa, do aparador, da bandeja e disso e daquilo, frio e quente suportam tal algazarra.  Já   viu com certeza, que muitas vezes os olhares ficam entre um sorriso e um deboche, talvez escárnio, aquela ironia que a maldade oferece como brinde aos rancores e desamores e tudo isso temperado com louro e alho: Uma folha de glória e um mau-hálito.             Segue o arroz e aquela história de que todos comem isso para saber que adoramos o arroio, que se trata de fartura, de bem-estar. Alegria e comida. Amor com o propósito de manter o maxilar em ação.   Continuando a história, vai levantando os temas mais profundos sobre juros e inves

O sequestro dos 20

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O sequestro dos 20                                                      Pedro Moreira Nt                    Queria que tudo mudasse que acabasse em pizza de planalto, coisa grande, que houvesse uma greve tão completa que o patrão me olhasse na cara e dissesse: engraçadinho. Você deve estar pensando que sou eu quem está pensando isso, não sou eu: é o Ernesto.                  Ele está no ônibus branco. Ônibus de indústria de trabalhador. Mas hoje, incrivelmente não está indo para o trabalho. Às cinco horas da manhã antes de muita gente ir ao banheiro, ele se encontra sentado naquele vagão móvel, naquela coisa poluidora, no cata-jeca, na ratona, no sovaco, escafandro, jardineira, no coiso , na lata de sardinhas que não passa de um caminhão seco, duro, desconfortável e barulhento que carrega muita gente para pagar um só.                 Você pensa que isso não é certo, quando vai lendo balbucia algo. Talvez diga: Não pode ser. O Ernesto faria isso. Ele ficaria daquele